"Os hospitais privados são uma alternativa aos públicos numa gravidez normal. Não são alternativa na gravidez patológica", diz o presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, Luís Graça. Apesar destes casos, o número de nascimentos no setor privado duplicou nas últimas duas décadas. Se, em 2000, estes hospitais foram responsáveis por quase sete mil nascimentos (5,7% do total), em 2017 eram já mais de 12 mil (quase 15%)..As infraestruturas dos privados são mais recentes e têm mais condições, os quartos são maioritariamente individuais, ou com duas camas, e o atendimento é mais personalizado. Por isso, e porque os obstetras que as seguem são muitas vezes médicos nestas instituições, muitas mulheres, com recursos económicos ou com seguro de saúde, escolhem cada vez mais ter os filhos no setor privado. No entanto, salvo raras exceções, estas unidades hospitalares ainda não fizeram o investimento necessário - quer em profissionais quer em equipamentos - para salvaguardar os riscos durante a gravidez, no momento do nascimento ou depois, no internamento, alertam tanto Luís Graça como João Bernardes, responsável pelo colégio de ginecologia e obstetrícia da Ordem dos Médicos..Ana (nome fictício) escolheu ser acompanhada durante a gravidez num hospital privado. E até ao dia do nascimento do segundo filho nada fazia prever complicações. Mas "a emoção provocada pela ocasião fê-la entrar em trabalho de parto precipitado e o filho nasceu com asfixia neonatal", conta um dos médicos que acompanharam o caso. Perante a incapacidade do hospital para responder a este cenário, por não oferecer a terapêutica adequada, o recém-nascido teve de ser transferido de imediato para o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, onde ficou internado.."Prestar cuidados a recém-nascidos exige cuidados neonatais 24 sob 24 horas e isso é um peso brutal quer em pessoal quer em equipamentos. Por cada cama de cuidados intensivos neonatais no Serviço Nacional de Saúde [SNS] está normalmente um enfermeiro e um médico. E os privados ainda não fizeram este investimento. Normalmente, nem sequer atendem grávidas com menos de 34 semanas, alguns 36", diz João Bernardes..A lei define a existência de um regime de porta aberta 24 horas por dia com um mínimo de equipamentos e de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, anestesistas) tanto para os hospitais públicos como para os privados que queiram oferecer estes serviços. A realidade é a mesma, mas é aplicada de forma diferente: "Os [hospitais] públicos funcionam todos em regime de porta aberta, 24 horas por dia. No caso dos privados, só há dois ou três com a porta aberta para assistência ao parto. Quando há um parto, a equipa desloca-se ao hospital", indica João Bernardes.."No que diz respeito às condições dos [hospitais] privados, genericamente, são perfeitamente aceitáveis. Não estamos a criar nenhum risco para a gravidez normal. O mesmo não se pode dizer da gravidez com patologia da mãe ou do feto, que representa 10% em Portugal. É evidente que esses hospitais não dão a resposta que dão os hospitais de terceiro nível do Serviço Nacional de Saúde, que têm todas as valências bem definidas quanto a estas situações", explica Luís Graça..O presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, Óscar Gaspar, discorda: "Os hospitais privados estão devidamente preparados para receberem todo o tipo de partos, sejam eles normais ou de risco. Não podem, por lei, receber clientes com menos de 32 semanas, mas a partir daí a informação que tenho é de que há no país uma série de hospitais privados com recursos humanos e todo o tipo de equipamentos necessários para fazerem todos os partos.".O DN contactou os grupos privados de saúde Lusíadas, Luz Saúde e José de Mello para pedir o número de partos de risco realizados no último ano. Estes indicaram não terem esta informação disponível, no entanto, afirmam estar preparados para atender qualquer caso de risco. 15% dos bebés nascem no privado.Em 2000, nasceram 6787 bebés (de um total de 118 991) em hospitais privados. Em 2017, esse número subiu para 12 077 (de 97 577), de acordo com os últimos dados disponíveis no Pordata - o que representa 15% dos partos realizados em hospitais nacionais. E o aumento tem sido praticamente constante na última década; sofreu um abrandamento em 2013/2014 (menos mil nascimentos do que nos anos anteriores, coincidindo com o pico da crise económica). Mas os grupos privados continuam a ganhar terreno ao SNS, que, por sua vez, reduziu em 30% os nascimentos na última década, sobretudo por quebra na fecundidade..Se no início do milénio havia cerca de 120 mil nascimentos nos hospitais públicos (numa população de 10,3 milhões), em 2017 nasceram apenas 85 500 bebés (numa população com os mesmos números gerais). Sendo certo que no ano passado, os hospitais públicos em Lisboa e no Porto já faziam tantos partos quantas as unidades de saúde privadas nestas duas cidades. Para o responsável pelo colégio de ginecologia e obstetrícia da Ordem dos Médicos, "a pressão a que o SNS está sujeito afasta muitas mães"..Já as quatro parcerias público-privadas (PPP), formalmente no SNS, demonstram uma procura cada vez maior. Três destas unidades hospitalares (Loures, Cascais e Braga) ultrapassam mesmo individualmente o número de nascimentos do maior centro hospitalar do país - Lisboa Norte (que inclui os Hospitais de Santa Maria e Pulido Valente). Também a PPP de Vila Franca de Xira tem-se revelado mais atrativa nos cuidados materno-infantis, ficando apenas um pouco atrás das outras três..Untitled infographic Infogram.Elevadas taxas de cesarianas.A maioria dos nascimentos em hospitais privados (65%) são partos por cesariana. Em 2017, do universo de 12 077 nascimentos nessas instituições, 7801 foram realizados por cesariana - quando a Organização Mundial da Saúde recomenda que esta percentagem ronde os 15%, devido aos riscos que esta prática obstétrica pode trazer durante o parto e no futuro, principalmente para a mãe. "É evidente que isto significa má qualidade obstetra", diz Luís Graça..O recurso a cesarianas tem vindo a aumentar um pouco por todo o mundo. Em Portugal, o SNS tem feito um esforço para contrariar a tendência, tendo conseguido reduzir o recurso a esta prática de 36,3% (em 2010) para 27,6% (em 2015), segundo o Relatório de Primavera 2018 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde.."No público tem havido uma política muito rigorosa e clinicamente responsável. No privado - não quer dizer que não sejam prestados cuidados adequados -, mas estão mais recetivos a grávidas que queiram fazer cesarianas", refere João Bernardes..Sobre isto, o presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada diz: "Nesta como noutras matérias entendemos que a vontade do cidadão conta e o que notamos é que há muitas mulheres que preferem ter o parto cesariana. Portanto, querendo as mulheres e não vendo os médicos qualquer tipo de inconveniente, não vemos problemas em que estes partos se façam."