Partilhar a paixão pela química é o foco do professor Yokochi

O melhor português de sempre mudou de vida e de continente ao deixar as piscinas: é docente universitário nos EUA mas continua a acompanhar os feitos dos nadadores nacionais.
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"Os meus pobres colegas do tempo da natação hão de se lembrar que eu andava sempre a ler coisas esquisitas", brinca Alexandre Yokochi. Fazia-o porque já tinha o foco bem definido: seguir a paixão pela química e uma carreira universitária na área. E assim fez. Desde 1992 - quando deixou as piscinas - que o melhor nadador português de sempre se fixou nos EUA... mas continua atento ao desempenho dos compatriotas, confiante de que alguém poderá repetir as suas façanhas no futuro.

"Sou professor de Engenharia Química na Oregon State University desde 2004, depois de ter estado no departamento de Química durante algum tempo (estou na universidade desde 1997) e feito o doutoramento no Texas [Texas A&M University 1992-1997]", descreve Yokochi, ao DN, admitindo que agora a natação ocupa apenas uma pequena fatia do seu tempo. "Nado todos os dias meia hora, o que é bem menos do que as cinco ou seis horas do passado", conta o antigo atleta.

Para trás, à distância de mais de um quarto de século, ficaram alguns dos maiores sucessos da história da natação nacional - como a única presença numa final olímpica (7.º em 200 metros bruços em Los Angeles 1984) e a medalha nuns Europeus de piscina longa (prata, na mesma disciplina, em Sófia 1985) que só seria "imitada" 31 anos depois, por Alexis Santos (bronze, em 200 metros estilos, em Londres 2016). Mas, nos tempos de alta competição, Alexandre Yokochi (atualmente com 51 anos) já sabia o que queria para o seu futuro - a química e uma carreira universitária. "Havia, com certeza, a hipótese de falhar. Mas, como depois de deixar o desporto pude dedicar-me aos estudos de uma forma monomaníaca, tive algum sucesso", aponta o ex-atleta.

Assim, Alexandre foi traçando uma nova carreira, ao mesmo tempo que conservava as melhores memórias da alta competição, dos desempenhos desportivos ("talvez o mais especial fosse o do Jogos Olímpicos de 1984, o primeiro sucesso tem sempre mais impacto para um jovem") e do tempo passado com os colegas e com o pai, Shintaro Yokochi, que era também o selecionador nacional.

"Espero que façam melhor"

"Dou aulas [um curso por trimestre, com cerca de 150 estudantes] sobre tópicos em que faço investigação (fluidodinâmica computacional, engenharia de reações, engenharia eletroquímica, problemas em sustentabilidade, etc.) e o resto do meu tempo profissional é dedicado à investigação", esclarece o antigo nadador, frisando o prazer que tem em ajudar a "desenvolver" os estudantes e em poder "partilhar com eles" a sua fé em Cristo.

Ainda assim, o facto de estar há 25 anos num continente diferente e por lá ter constituído família (tem três filhos - Sidney, Naiya e Luke, da mulher, Annette) não impede que Alexandre Yokochi continue a acompanhar o desenvolvimento da natação nacional. "Continuo a seguir os resultados dos atletas portugueses, quer por ler o website do seu jornal quer por falar com os meus pais", explica o antigo nadador, mostrando confiança de que em breve alguém consiga superar os seus feitos, sejam nomes já consagrados como Alexis Santos e Diogo Carvalho ou jovens promessas como Tamila Holub. "Estou sempre à espera de que alguém faça muito melhor e que me convidem para a festa para celebrar uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos", diz.

O que tem faltado à natação lusa?

Tamanho otimismo não impede o ex-atleta de fazer a análise ao que tem faltado para Portugal ter resultados mais sonantes na natação internacional, nestes 25 anos após a sua retirada das piscinas. "Provavelmente faltou sorte, talento, dedicação, ao nível de exclusão de quase todas as outras atividades", nota, detalhando cada um desses fatores.

Quanto aos talentos, será necessário promover mais as modalidades individuais e dar mais oportunidades aos jovens de "zonas mais longe das cidades maiores". A dedicação "requer, além de vontade pessoal (ter um bocado de pancada ajuda), o apoio de família e amigos - que, às vezes, colocam mais obstáculos, com os convites para ir sair...". Já a sorte é algo que não dá para otimizar mas Yokochi crê que "cada um influencia a sorte pessoal pelas suas ações". "Discuto isso com os meus estudantes de doutoramento: um investigador que implemente cinco experiências por dia tem cinco vezes mais oportunidades de ter sorte do que um que só faz uma por dia. Sabemos que a probabilidade de sucesso é zero se não se fizer esforço nenhum. Lembrem-se: audaces fortuna juvat", afirma - ou seja, a sorte protege os audazes.

De resto, só faltará a Portugal um sistema universitário que incentive a prática desportiva (e permita conciliar os estudos com a alta competição), como acontece nos EUA. "A universidade tem de ter os interesses dos estudantes como a motivação principal para a sua organização", sublinha Yokochi, lembrando a importância de "horários funcionais que otimizem o tempo passado nos estudos e permitam aos estudantes participar nas atividades extracurriculares". Afinal, ele só quer o melhor para os dois mundos - desportivo e universitário - que perfazem a sua história.

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