Partilha 4.0
Uma, duas, três, várias vezes, logo é verdade. Mais uma vez, a mentalidade, a portuguesa. Agora, na inovação e na Indústria 4.0. Francisco Mendes, co-founder da Beeverycreative, contou ontem em Leiria, em mais uma jornada pelo país do Prémio Inovação NOS (inscrições até 31 de julho), que quando vendeu a primeira impressora 3D a um empresário do setor do calçado lhe foi pedido pelo comprador que não contasse nada a ninguém, muito menos aos seus concorrentes. Entendia este empresário que o segredo lhe conferiria uma vantagem competitiva.
Este caso é o exemplo perfeito de uma crença, errada, que existe entre muitos empresários, em vários setores de atividade. A convicção de que, logo à partida, é sempre melhor estar sozinho do que acompanhado. A mentalidade da desconfiança, do individualismo, leva a situações absurdas, como vermos duas ou mais empresas do mesmo setor a tentar, cada uma para seu lado, entrar no mesmo mercado, com todas as dificuldades que isso acalenta, ou assistir a cada uma a inovar para o seu lado. Duplicação de esforços, desperdício de recursos e perda de tempo, num momento em que a velocidade é crucial. Tudo, sem valorizar o mais importante: o resultado final e o cliente. Dois concorrentes não são dois inimigos, muito menos no meio de uma revolução, como é o caso da Indústria 4.0.
No debate de ontem em Leiria, organizado pelo Dinheiro Vivo, pela TSF e pela NOS, os vários intervenientes falaram a uma só voz. Reinaldo Coelho, da BA Vidros, Francisco Mendes, um dos fundadores da Beeverycreative, e Nuno Martinho, professor do Politécnico de Leiria, deixaram as mesmas críticas: menos competição e mais cooperação; o processo de inovação em conjunto é muito lento; não existe uma estratégia de partilha de informação; não há capacidade para confiar no colega do lado nem de acreditar que a colaboração trará benefícios para todos; a confiança entre empresários, concorrentes ou não, é ténue; e vão sendo dados passos muito pequenos. Para vencer o desafio da Indústria 4.0, da digitalização da indústria, é necessário tecnologia e inovação nos produtos e nos sistemas, é fundamental que as pessoas sejam queridas, mas jamais se poderá esquecer um passo, o da Partilha 4.0. Na maior fábrica da BA Vidros, em Avintes, existe um cartaz, escrito em inglês, que recorda aos trabalhadores que "impossível significa que ainda não encontrámos a solução". É disto que a indústria precisa, de soluções para os seus problemas e de acreditar que este caminho será sempre mais fácil se for acompanhado.
A recente iniciativa de João Vasconcelos, que elegeu a Indústria 4.0 como prioridade e que junta 80 empresas de diferentes setores em vários grupos de trabalho, é, em teoria, um passo importante. O poder público a fazer o que deve: juntar e conciliar interesses privados, por vezes divergentes, à volta de um objetivo nacional. Identificar problemas, encontrar as soluções e unir esforços para as aplicar com sucesso não será fácil, mas é o que se espera do secretário de Estado da Indústria.