Migrantes. Partidos divididos entre regulação cuidada e criminalização
A meio desta semana, a União Europeia (UE) chegou a um acordo sobre as políticas de migração, mas longe de consensos e com expectáveis fraturas nos extremos partidários. Ao DN, o eurodeputado Paulo Rangel, eleito pelo PSD, garantiu que este pacto vai "criar uma regulação mais cuidada das migrações" protegendo as fronteiras na mesma medida em que propõe "um regime mais favorável" para refugiados. No outro lado da barricada, o eurodeputado João Pimenta Lopes, eleito pelo PCP, destaca um pacto que "não responde em nada" às necessidades das pessoas que fogem "da degradação das condições de vida" nos seus países de origem, recorrendo à palavra "criminalização".
Para já, a palavra de ordem é que há esperança de que esta legislação ainda possa ser moldada para responder aos anseios tanto dos Estados-membros da UE como de quem procura refugiar-se na Europa para encontrar uma vida melhor. Numa nota breve enviada ao DN, a eurodeputada socialista Isabel Santos destaca a importância de ter sido "possível chegar a um acordo em matéria de migrações e asilo", sem no entanto omitir que ainda há arestas a limar. "Está longe de ser o Pacto que sempre defendi, assente na partilha solidária da responsabilidade de asilo entre Estados-membros; no estabelecimento de corredores humanitários e de vias reguladas e seguras; na implementação de uma política efetiva de integração. Espero que se consiga evoluir no futuro", conclui.
Em declarações ao DN, Paulo Rangel lembra que o pacto assinado esta semana "é um consenso entre o grupo socialista europeu, o grupo liberal e o grupo PPE [Partido Popular Europeu]". Este último, é o que integra o PSD nas suas fileiras.
No fundo, o que está em causa neste documento, assente em cinco regulamentos que ainda terão de ser votados no Parlamento Europeu, é "criar um equilíbrio entre as condições de aceitação de migrantes e requerentes de asilo no espaço europeu, com respeito pelos seus eixos fundamentais, mas também pelas necessidades de segurança da própria UE", sustenta Paulo Rangel.
Este acordo não encontrou consenso entre os partidos e há argumentos apresentados por todas as partes e com a previsão de consequências para as políticas nacionais de cada Estado-membro.
Segundo uma declaração do eurodeputado do Bloco de Esquerda José Gusmão, publicada na página esquerda.net, "o consenso a que se chegou esta manhã [na quarta-feira] mostra como a agenda da extrema-direita conseguiu permear todas as instituições europeias. Mas importa sublinhar: este acordo foi atingido com a liderança e participação ativa do centro, pela direita, os liberais e os socialistas. É, portanto, reflexo da derrota dos direitos humanos na política europeia", afirma o deputado, acrescentando que "este pacto institucionaliza todas as violações de direitos fundamentais e de direito ao asilo que temos denunciado, quer nos Estados-membros, quer nos países terceiros com que a UE se relaciona. No fundo, este Pacto dá licença para matar, perseguir, deter e deportar."
Confrontado com a posição bloquista sobre as consequências do acordo alcançado pela Europa para a migração, Paulo Rangel considera que "há uma agenda populista da direita radical, que é a de que todos os imigrantes são terríveis e que temos que os destratar", o que para o deputado "é uma coisa inaceitável". No entanto, por isso, considera que este pacote de medidas "é muito importante porque vem responder a uma preocupação dos europeus, de uma forma que equilibra bem as questões de segurança e proteção das fronteiras com o respeito pela dignidade e pelos direitos fundamentais". Concretamente sobre as palavras de José Gusmão, afirma são "alegações da esquerda radical, que entende que toda a gente deve entrar na União Europeia em qualquer circunstância". "Isso nós sabemos que não funciona. Aliás, isso tem levado, infelizmente, em muitos casos, até à ascensão de alguns governos ou de alguns partidos que nos causam muitas preocupações sobre o Estado de Direito", critica, questionando se "esta legislação é ideal". "Não é ideal, mas o ótimo é inimigo do bom", remata.
Para justificar a sua posição, Paulo Rangel lembra um dos pontos essenciais deste pacote legislativo, que se traduz por um sistema de solidariedade obrigatória, que consiste em sanções financeiras aplicadas a Estados-membros que se recusem a receber migrantes que reúnam as condições para passar as fronteiras. "Nós votámos durante muito tempo a ideia de que as pessoas que entravam, a começar pelos regimentos da UE, deviam ser repartidas equitativamente pelos vários Estados-membros. Nós sabemos que há Estados-membros que se recusam determinantemente a receber. Agora eles passam a ter uma obrigação, que é uma obrigação financeira, pecuniária, quando não aceitam receber determinadas pessoas", justifica.
Ao DN, questionado sobre este ponto em concreto, o deputado João Pimenta Lopes critica a introdução deste mecanismo de cobrança de um valor monetário por cada pessoa que não atravessa a fronteira. "Uma solidariedade onde cabe, além desse pagamento à cabeça por pessoa recusada, o financiamento de mecanismos associados a esse controle de fronteiras". Para além disto, João Pimenta Lopes aponta o dedo à potencial "instalação de infraestruturas, de muros com arames farpados, de vigilância marítima, de externalização de fronteiras, já agora da própria militarização do Mediterrâneo associada à presença da NATO". O eurodeputado comunista já tinha criticado "o aprofundamento de uma política migratória da União Europeia, que de resto já vinha sendo implementada, mas que visa, numa abordagem ainda mais seletiva, a criminalização das migrações e mesmo do direito ao asilo, podendo contribuir para pôr em causa o próprio direito internacional".
Sobre implicações concretas para os migrantes, João Pimenta Lopes destaca as separações familiares que podem resultar destes processos que considera serem de "aparente lógica de distribuição matemática de refugiados". "Um requerente de asilo que procurar abrigo na União Europeia procurará ir para um país onde não tem nenhuma rede ou procurará ir para um país onde tem familiares, pessoas que são conhecidas. Estes elementos devem ser naturalmente tratados nos procedimentos de asilo. Tudo isto fica obliterado. Aliás, a questão, por exemplo, da reunificação familiar é um dos elementos que fica obliterado", considera.
Interrogado sobre a posição da associação Solidariedade Imigrante, que na passada quarta-feira reagiu ao pacto da UE alertando que esta legislação fará aumentar o tráfico de seres humanos, o deputado social-democrata Paulo Rangel procurou contrariar esta ideia com o exemplo de um casal que chega a uma fronteira "com 10 crianças". "Ou podem vir por motivos muito benignos, que seria, por exemplo, outras famílias terem pedido para os levarem, porque acham que os filhos não vão ter hipótese nenhuma no país em que estão", aponta, ou então "está a ser um caso clássico de tráfico de crianças". Nesta circunstância, destaca, com esta legislação haverá "alguma capacidade de saber se elas estão a ser traficadas ou não", através também do processamento de "dados biométricos". Sobre esta questão, o deputado João Pimenta Lopes destaca a importância de cortar o mal pela raiz, defendendo que "não é possível responder à questão dos fluxos migratórios sem atacar as causas de fundo, que levam a que milhões de seres humanos se desloquem. Isso obrigaria ao abandono de políticas de desestabilização, agressão contra países terceiros, o cumprimento do respeito pela soberania, da independência dos Estados, dos princípios da Carta das Nações Unidas do Direito Internacional", conclui.
À margem da discussão sobre o pacto assinado na União Europeia, na Assembleia da República estalou ontem a tinta entre o Chega e todas as outras bancadas do hemiciclo a propósito da política para migrantes. O líder do partido, André Ventura, criticou a política de "portas abertas a toda a gente", com o "Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) desmantelado" e aquilo que classificou de "política de insegurança absolutamente estonteante que todos os portugueses sentem", com todas as outras bancadas a considerarem estas declarações como demagogia, incitamento ao ódio e xenofobia.
vitor.cordeiro@dn.pt