"Bem, temos de tentar outra vez". Parlamento recusa renovar apoio a estratégia de May sobre o Brexit
Após mais cinco horas de novo debate em Westminster sobre os contornos da saída do Reino Unido da União Europeia, a câmara dos Comuns votou esta quinta-feira a moção do governo de Theresa May sobre o Brexit. E mais duas das três emendas que foram aceites a votação pelo speaker do Parlamento John Bercow.
A moção do governo da primeira-ministra britânica foi rejeitada por 303 votos contra 258. E ia no sentido de conseguir que o Parlamento renovasse o apoio aos esforços feitos no sentido de renegociar o backstop, ponto mais controverso do acordo do Brexit. Isto apesar de a UE27 ter, repetidamente, através de várias vozes, sublinhado que o acordo de saída do Reino Unido da UE não está aberto a renegociação e que aquele mecanismo de salvaguarda visa evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda após o Brexit.
A primeira emenda a ser votada foi, porém, a do líder da oposição trabalhista, Jeremy Corbyn, a qual exigia que o governo permitisse outro "voto significativo" sobre o acordo do Brexit até 27 de fevereiro, devendo, caso isso não aconteça, reconhecer que a opção de um No Deal Brexit não está já em cima da mesa e quais são os próximos passos. A emenda do líder do Labour foi chumbada por 322 votos contra 306.
A segunda emenda a ser votada foi a de Ian Blackford, do Partido Nacionalista Escocês (SNP), que pedia ao governo para alargar o prazo do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa durante, pelo menos, três meses, adiando a saída prevista a 29 de março. Foi igualmente chumbada por 351 votos contra 93.
Numa reação a quente a este resultado, a líder do SNP, Nicola Sturgeon, escreveu no Twitter que o Labour de Corbyn, ao falhar em apoiar a emenda dos nacionalistas escoceses sobre o Brexit ainda correm o risco de acabar por serem "as parteiras de um Brexit dos Tories". A Escócia, tal como a Irlanda do Norte, votaram a favor de ficar na UE, a 23 de junho de 2016. Enquanto a Inglaterra e o País de Gales votaram a favor da saída da UE.
Uma terceira emenda, a da conservadora Anna Soubry, foi retirada. Esta pedia ao governo que publicasse os mais recentes dados sobre o impacto económico de um No Deal Brexit no prazo de sete dias. Soubry exigiu garantias do governo de que esses números seriam divulgados, admitindo que, se obtivesse essa garantir, retiraria a sua emenda.
No Parlamento, o secretário de Estado do Brexit, Chris Heaton-Harris, disse que o governo não publica estes números, mas terá todo o gosto em deixar Soubry consultá-los e, depois, ela sim, pode divulgar as partes que entender. A deputada conservadora aceitou, assim, retirar a sua emenda, mas avisou desde logo que se o governo de May não cumprir o compromisso assumido pelo secretário de Estado voltará a colocá-la em cima da mesa.
Os rebeldes do Partido Conservador, liderados por Jacob Rees-Mogg, líder do think tank European Research Group, decidiram abster-se em relação à moção da primeira-ministra Theresa May. As divisões no partido do governo continuam, assim, a marcar presença no debate do Brexit e a oposição já chama a estes brexiteers um partido dentro de outro partido. Apesar de tudo, alguns deputados conotados com o ERG citados pelos media, indicaram depois que iriam votar a favor da moção do governo porque a abstenção não fazia sentido. Outros, porém, davam entrevistas à Sky News na hora da votação, comprovando que estavam mesmo a abster-se.
Com esta derrota simbólica, May fica ainda com menos hipóteses de convencer a UE a renegociar o backstop, surgindo cada vez mais enfraquecida. A chefe do governo, que nem esteve no Parlamento, poderá ser pressionada, por outro lado, a aceitar uma união aduaneira, como exige o líder do Labour, Jeremy Corbyn, para fazer aprovar no Parlamento britânico o acordo do Brexit. Durante o debate desta quinta-feira, Dia de São Valentim, vozes houve que assinalaram não ser de esperar quaisquer concessões ou decisões por parte da UE27 antes do Conselho Europeu de 21 de março.
Segundo fontes europeias, citadas esta quinta-feira pelo Guardian, o líder do Labour, Jeremy Corbyn, deverá ser recebido na próxima semana, em Bruxelas, por Michel Barnier e Guy Verhofstadt, que são, respetivamente, o negociador chefe da UE para o Brexit e negociador do Parlamento Europeu para o Brexit. Também o ministro para o Brexit, Stephen Barclay, tenciona ir a Bruxelas para a semana reunir-se com Barnier, avançou, esta tarde, a BBC.
Porém, também Corbyn enfrenta uma mini-rebelião, com cerca de uma dezenas de deputados trabalhistas a ameaçar demitir-se caso o líder dos trabalhistas continue a recusar apoiar a opção de um segundo referendo sobre o Brexit.
Recorde-se que no referendo de a 23 de junho de 2016, 52% dos britânicos votaram pela saída da UE, 48% contra a saída da UE. A 29 de março de 2017, o governo de Theresa May acionou o Artigo 50º para sair da UE, pelo que, segundo os prazos no Tratado de Lisboa, o Reino Unido deve sair da UE no dia 29 de março deste ano. Londres e a UE27 fecharam um acordo do Brexit em novembro do ano passado, o qual foi chumbado na câmara dos Comuns a 15 de janeiro, sem haver até agora uma nova versão. A câmara dos Comuns tem feito debates e votações, como a desta quinta-feira, a de 29 de janeiro. Mas no que ao essencial diz respeito o impasse e a incerteza mantêm-se.
Conforme disse, entre risos, o speaker da câmara dos Comuns: "Bem, temos que tentar outra vez". John Bercow esclareceu, perante a insistência de Jeremy Corbyn e as suas críticas à primeira-ministra, que não era obrigatório May estar presente na votação desta quinta-feira e que o governo pode ser representado por outra pessoa.