Paraquedista voltou à Guiné e quis bomba Galp só com mulheres
"Tem de conhecer o coronel Danif", disseram-me logo no primeiro dia em Bissau. "Foi militar português, agora é empresário", voltei a ouvir em conversa no hotel Coimbra. Cruzamo-nos numa cerimónia no cemitério de homenagem aos combatentes da Guerra do Ultramar e fica combinada a conversa para a tarde, depois de mais um evento luso-guineense. E é assim, após um brinde com porto à nova Associação Empresarial Portuguesa, junto à fortaleza da Amura, que Chauki Danif me convida para irmos no jipe até à bomba da Galp de que é concessionário. Fica a caminho do aeroporto e são muitos os camiões que ali param para abastecer de gasóleo, tarefa exclusiva de mulheres.
"Contratar só mulheres para o abastecimento foi uma opção política. Os homens aqui não conseguem sustentar as várias casas e as várias famílias que têm. Então eu, pensando friamente, prefiro ter as mulheres a trabalhar, elas que só se preocupam com os filhos e o marido. Do ponto de vista empresarial é melhor. Depois há algumas desvantagens: têm o filho doente e ficam em casa, têm a gravidez...mas são mais as vantagens", explica Danif, ou melhor, o coronel Danif. Não tem maneira de fugir à patente, nem ao passado de bravo combatente.
Acabámos de dar uma volta à gasolineira. Geradores garantem que a bomba funcionará mesmo que a eletricidade falhe. "Na Guiné é preciso pensar em tudo, mas o país é um bom trampolim de oportunidades para pequenas, médias e até grandes empresas portuguesas. Têm é de ter a coragem de arriscar neste momento", diz o empresário, há 12 anos ligado à Galp, mas com outros negócios em mãos, como a exportação de caju e uma empresa de sistemas de videovigilância e geolocalização de viaturas.
Também há afinal alguns homens na bomba, mas não no abastecimento. Sentamo-nos na zona que serve café e o coronel Danif apresenta-me Maria Nafantchamna, cujo avô, chefe numa aldeia balanta, protegeu Nino Vieira, guerrilheiro e futuro presidente da Guiné, de uma operação militar portuguesa, dizendo que era mais um filho, Kabi. Desses tempos, o antigo paraquedista fala hoje sem problemas: "Há uma coisa importante quando se vai para a guerra, que é a lei da sobrevivência. Tínhamos de ser aguerridos, matarmos para não sermos mortos."
Combater na sua Guiné foi um acaso. Danif, filho de libaneses drusos, nasceu em Bafatá em 1949, mas em criança foi enviado para Portugal. Estudou num colégio em Tomar e na Faculdade de Medicina. Mas quando o pai morre, e sendo o mais velho de cinco irmãos, deixa o curso e voluntaria-se para a tropa. Faz comissão na Guiné como alferes e mais tarde entra na Academia militar para seguir carreira. "Estava indicado para Nacala, mas um alferes que na altura estava aqui morreu em combate e, como a rendição nos paraquedistas era individual, vim para a Guiné em vez de Moçambique", conta. Elogia muito a opção pela rendição individual: "Tinha uma vantagem enorme na medida em que num grupo de combate nunca havia só maçaricos ou só velhinhos."
O 25 de Abril apanha-o na Guiné. "Estava como oficial de dia na unidade de paraquedistas, em contacto direto com a Cova da Moura", relembra. "Obviamente, muitos oficiais conhecidos tinham passado por aqui, desde o Otelo Saraiva de Carvalho, Melo Antunes, Jaime Neves." E o próprio general Spínola, que seria o primeiro presidente depois da Revolução, foi governador militar da Guiné. Danif partiu para Lisboa em julho de 1974, pouco antes de Portugal reconhecer a independência proclamada pelo PAIGC. "Fui por coincidência um dos responsáveis que receberam os dois homens que vieram mandatados pelo PAIGC para a fase de transição e que viviam connosco no Palácio do Governo", conta ainda.
O regresso à Guiné deu-se em 1996 (antes, motivos de saúde levaram-no a pedir a aposentação, já coronel). Tem um filho e uma filha, mas da família direta ninguém vive aqui. Está satisfeito com o que tem conseguido fazer na terra onde nasceu. "A Guiné tem uma população extraordinária, um povo amistoso, muito amigo do seu amigo, prestável e apoia bastante quem vem para cá investir. Infelizmente, não foram ensinados desde o início que têm de trabalhar. A maior parte das pessoas pensa que consegue viver só com esquemas, o que é complicado. De resto, a gente pode andar aí na rua e ninguém se mete connosco, estamos à vontade."
Voltando às funcionárias da bomba, fico a saber que incentiva a que estudem: "Algumas estão licenciadas e ficam aqui enquanto procuram emprego." Mais uma bela "opção política" do coronel Danif.
Em Bissau, o DN viajou a convite da EuroAtlantic