Parabéns Isabel

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Sabia que a palavra, a língua, pode ser um divertimento? E que conhecer as raízes do nosso falar, desde o fim dos tempos até hoje, pode ser uma aventura magnífica? Imaginou, alguma vez, que percorrer um "museu" da língua pode ser um tempo tornado sem tempo para jovens e para não jovens? Um puro prazer? Em Portugal isso vai ser possível, em breve, no planeado Museu da Língua Portuguesa, uma iniciativa do Ministério da Cultura no rasto do pioneiro Museu instalado na Estação da Luz, em São Paulo. Esta, para mim, uma das boas notícias do ano, no campo da cultura. Por isso titulei: Parabéns, Isabel. A ministra da Cultura merece-os.

A Estação da Luz, no centro antigo de São Paulo, tem uma história. Construída no virar do séc. XIX para o séc. XX, ela era o nó ferroviário que ligava São Paulo ao porto de Santos, para o escoamento do café. E era, antes do tempo já, o ponto de encontro de línguas e de falares. Os imigrantes que desembarcavam em Santos, em busca de um nova vida nos Brasis da esperança, cruzavam-se nessa estação de comboios, confiando no desconhecido e na sua capacidade de forjar um destino de prosperidade. Se os portugueses falavam a língua da nova nação, os outros falavam apenas a da sua terra natal - italianos, espanhóis, polacos, alemães. Ponto de chegada, ponto de partida para esse novo destino rodeado de sonho. Remodelada há pouco tempo, a Estação da Luz continua a ser um belíssimo edifício aonde chegam os comboios ao centro da grande cidade. Mas essa simbologia do encontro de povos, de línguas e de culturas da imigração foi utilizada pelo Governo Estadual e pela Fundação Roberto Marinho para, numa parte do edifício, erguer o Museu da Língua Portuguesa. Este ano inaugurado.

Afirmar que a língua pode ser motivo para museu, museu vivo, culto e popular, parecerá estranha. Associamos a palavra e a literatura a algo de "mais sério". Mais sério é, afinal, tudo o que há no museu. Mas, na sua seriedade, tem tudo do divertimento, do prazer, da alegria de descobrir e de conhecer, com uma raiz única: a língua, a palavra, o português, a sua génese, a sua história, a sua evolução, a sua irradiação.

Entrando no museu, por um elevador envidraçado, tem a música da língua como som de fundo e a beleza da arte como regalo para o olhar - numa magnífica escultura, Árvore de Palavras, situada no saguão entreos dois elevadores de acesso. Aí, você desemboca na Grande Galeria, como se entrasse numa estação de metro, um túnel de mais de cem metros de comprido que corta todo o edifício. Pode sentar-se num dos bancos corridos, como na estação do metro, e ver, em frente, passar as imagens do quotidiano da língua, numa tela de 108 metros, onde passam em simultâneo 11 curtos filmes. A língua e as gentes, desde a raiz lusa aos falares do dia-a-dia, à dança, festas, Carnavais, futebol, relações humanas, valores, saberes. As pessoas estão lá, cada filme tem pessoas, história e falares. No futebol, p. e., você vai saber como um desporto inventado pelos ingleses ganhou um jeito brasileiro. Vai descobrir, ainda, como dançar é uma forma de linguagem. E como o Carnaval criou um vocabulário próprio.

No museu pode também brincar com as palavras, no Beco das Palavras. Um telão-mesa tem prefixos, sufixos e radicais, com os quais pode jogar até formar palavras, as quais, uma vez formadas, dão origem a filmes e animações com base na palavra formada - uma maneira de brincar e aprender, tanto mais fácil e atractiva quanto as palavras escolhidas são de uso popular. Na enorme sala das Palavras Cruzadas, você encontrará oito colunas triangulares multimedia, com monitores interactivos, onde descobrirá a origem das palavras que influenciaram o português do Brasil: um exercício de aprendizagem sobre a mestiçagem, incluindo a da língua. Descobrir, p.e., que a palavra jaguar é de origem tupi e cachaço de origem africana. Numa das paredes desta sala verá a História da Língua Portuguesa.

A base do Museu de São Paulo é muito brasileira. Os seus autores preocuparam-se com a antiguidade (a história) e a universalidade da língua. Mas, também e sobretudo, com a sua "mestiçagem" - o Brasil como encontro de povos, de culturas e de falares. E transformam o museu num instrumento de unidade e de identidade cultural e social do país. Conseguem-no, ao que vi. Centenas de pessoas de todas as idades, divertindo-se com o que vêem e o que aprendem. O museu recebe muitas centenas de visitantes por dia, sobretudo jovens.

Sei que Isabel Pires de Lima tinha o sonho de realizar algo de semelhante em Portugal, adaptado à nossa história e à nossa realidade. Vai fazê-lo. Motivo de contentamento. E, seguramente, local de prazer e de cultura, quando o novo museu for aberto ao público.

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