Para ver, ouvir e ler a herança do inglês John Berger
A morte do escritor e ensaísta inglês John Berger (a 2 de janeiro, contava 90 anos) ecoou em todos os recantos do mundo cultural, dos dois lados do Atlântico. A sua personalidade multifacetada - foi pintor, poeta, autor de programas de televisão... - tem sido objeto de muitas evocações, sublinhando a agilidade de um pensamento que sabe questionar todas as ortodoxias.
Uma dessas evocações realiza--se amanhã, em Lisboa (cinema Monumental, 21.30). Organizada pela Medeia Filmes e Leopardo Filmes, terá como destaque a primeira exibição em Portugal de The Seasons in Quincy - Four Portraits, documentário sobre Berger na sua casa de Quincy, nos Alpes franceses, onde viveu desde 1962 (insatisfeito com a evolução da sociedade britânica). Mais do que um típico retrato documental, trata-se de um objeto que nasceu da amizade com a atriz Tilda Swinton, tal como ele nascida em Londres, num dia 5 de novembro - ele em 1926, ela em 1960. Uma vez, Swinton considerou mesmo que a data que partilhavam formava a base da sua relação, como uma "fantasia prática de cumplicidade".
O filme foi concretizado através da colaboração da atriz com o produtor e realizador Colin MacCabe, estando dividido, como o título indica, em quatro episódios de outros tantos autores - Swinton e MacCabe realizam dois deles, com Bartek Dziadosz e Christopher Roth a assinar os outros dois. Especialmente importante é a relação de Berger com os elementos naturais, numa vivência dinâmica, sempre em aberto, em que a natureza desafia os próprios valores (ou a falta deles) das relações humanas.
A sessão incluirá a leitura de textos de Berger traduzidos para português, a cargo da atriz Catarina Wallenstein e do jornalista Luís Caetano. A preceder a projeção do filme, será apresentado um vídeo dedicado à participação de Berger no LEFFEST (Lisbon & Estoril Film Festival), em 2015, quando as suas leituras se cruzaram com interpretações de Piotr Anderzewski ao piano e a leitura de um dos seus textos (Lisboa) pelo ator João Grosso.
Sempre interessado em compreender e questionar a vida das imagens, o trabalho de Berger manteve uma relação forte com todos os domínios do audiovisual. Em 1972, concebeu e apresentou a série Ways of Seeing (BBC), empenhada em dar conta das nossas relações com as imagens, desde a pintura mais primitiva até à publicidade do século XX (a série deu origem a um livro, entre nós lançado pelas Edições 70 com o título Modos de Ver). Além do mais, na qualidade de argumentista, Berger colaborou com Alain Tanner, nome emblemático da nova vaga do cinema suíço - o filme Jonas Que Terá 25 Anos no Ano 2000 (1975) ficou como um exemplo modelar do seu gosto romanesco, sempre tocado por um impulso utópico.