Para um coração partido, tome paracetamol

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Ele disse-me para passar por lá quando saísse do cinema. Encontrámo-nos no parque de estacionamento em frente ao dormitório dele e cumprimentámo-nos com um beijo rápido, como algo que se faz por hábito. Eu não sabia, então, que aquele seria o nosso último beijo. Ele estava tenso, o seu olhar estava em todo o lado menos em mim.

Não me lembro exatamente do que ele disse, mas terminou assim: "Acho que não consigo continuar a fazer isto".

O meu coração batia forte enquanto ele expunha as suas razões. Eu ouvi, mas não processei. Fiquei ali ao frio, balançando nervosamente o meu peso de uma perna para a outra, as mãos enfiadas dentro dos bolsos do casaco. Tentei responder, mas tropecei nas palavras. Normalmente extrovertida e faladora, eu não conseguia sequer formar uma frase. O calor irradiava das minhas faces coradas.

Como estudante de neurociências, aprendi que o relacionamento mais íntimo é o que existe entre a nossa cabeça e o nosso coração. Eles falam como melhores amigos através da artéria carótida comum, que envia o sangue do coração para o cérebro a uma velocidade de 0,90 metros por segundo.

O cérebro desenvolveu mecanismos para sentir o perigo e responde imediatamente na presença de qualquer ameaça. Quando uma ameaça é identificada, uma chamada de emergência é feita para o hipotálamo, o centro de comando do nosso sistema hormonal.

Em seguida, o hipotálamo põe em marcha o sistema nervoso simpático, fazendo fluir cortisol pelas nossas veias. A adrenalina inunda o nosso sistema. O batimento cardíaco acelera, estimulando o fluxo de sangue para os órgãos vitais. As vias respiratórias abrem. A cada inspiração ficamos mais alerta. As pupilas dilatam. Na presença de perigo, estamos preparados para lutar.

Não é isto o que acontece num rompimento.

A resposta fisiológica à rejeição é completamente diferente da resposta a uma ameaça. Nós temos uma necessidade inata de aceitação, assim como precisamos de água e comida para sobreviver. De uma forma um tanto ou quanto contrária a quando estamos confrontados com uma ameaça, a rejeição ativa o nosso sistema nervoso parassimpático.

Um sinal é enviado do cérebro para o coração e o estômago através do nervo vago. Os músculos do nosso sistema digestivo contraem-se, fazendo com que pareça existir um poço na parte mais profunda do estômago. As vias respiratórias contraem-se, tornando a respiração mais difícil. O batimento rítmico do coração desacelera de modo tão percetível que parece, literalmente, que o nosso coração está partido.

Depois de ouvir aquelas fatídicas palavras de rejeição no parque de estacionamento, fui para casa e chorei no chão do meu apartamento, nos braços da minha melhor amiga.

Toda a gente tem um primeiro desgosto de amor", disse ela suavemente. "O primeiro é só o que dói mais."

Sentia-me um verdadeiro cliché, a chorar até ficar com uma dor de cabeça e acabar com uma caixa inteira de lenços de papel. O estudo das neurociências tinha-me ensinado demasiado. Eu sabia como os químicos no meu cérebro estavam a comandar as minhas emoções. Eu queria usar a ciência para racionalizar comigo mesma, para me convencer de que em breve as hormonas estabilizariam e eu iria começar a sentir-me melhor.

Infelizmente, anos de escolaridade não conseguem ensinar-nos a recuperar de um desgosto de amor da mesma maneira que a experiência o faz.

Eu queria voltar para a fase do meio da nossa relação. Não tinha saudades do início: a insegurança, a sensação de nervoso miudinho no estômago e aquele período de constrangimento quando estávamos a começar a conhecer-nos um ao outro. E, decididamente, não queria revisitar o fim. Queria voltar para o meio, quando tudo estava calmo, rotineiro e confiável. Era fácil nessa altura, e sem dor.

Nós eramos os dois pessoas ativas e envolvidas nas nossas próprias esferas da vida no campus, e os nossos caminhos nunca se cruzaram até que um amigo comum nos arranjou um encontro às cegas.

Não era de estranhar que nunca nos tivéssemos conhecido; ele é um estudante atleta e eu mal consigo andar sem tropeçar. Enquanto ele estava a resolver problemas no edifício de engenharia, eu estava a fazer experiências no meu laboratório de neurociências do outro lado do campus.

A nossa ligação foi intensa e sem esforço. Quando trabalhávamos lado a lado no quarto dele ou no meu, eu sentia-me impressionantemente segura no meio do género de silêncio que geralmente me faz sentir demasiado vulnerável.

Adorava a forma como ele deslizava a sua mão pela minha e a agarrava enquanto caminhávamos para casa e como, às vezes, apertava com força o meu indicador com o seu polegar, só para me lembrar que estava ali. A eletricidade do seu toque enviava uma cascata de ocitocina da minha pituitária posterior, baixando os meus níveis de cortisol e envolvendo-me numa empatia silenciosa.

Com a dopamina a irromper do meu núcleo accumbens, sentia-me invadida por sentimentos de alegria e bem-aventurança. Adormecia ao lado dele com a minha mão sobre o seu peito, acalmada pelo metrónomo do seu batimento cardíaco.

Não é por acaso que as emoções positivas nos fazem sentir tão bem; as hormonas libertadas quando estamos felizes, apaixonados e a sentirmo-nos apreciados ajudam a regular o batimento cardíaco num padrão "coerente". O batimento fixado define um ritmo para o resto do nosso corpo para que todos os outros mecanismos homeostáticos trabalhem em sincronia. Com o nosso corpo em equilíbrio, a vida parece muito mais fácil.

Gostaria de poder dizer que ultrapassei o meu desgosto de amor rapidamente. Para que os outros pensassem que assim era, mantive a minha dor privada, chorando no duche e à noite, quando esperava que as minhas companheiras de quarto não ouvissem.

Sentia-me envergonhada quando me lembrava de a minha mãe dizer: "Se ele não te quer, tu não o queres a ele". Tentei dedicar-me aos meus amigos e ao trabalho do curso para me preparar para a candidatura à faculdade de medicina daí a alguns meses. Eu queria ser como Elle Woods em "Legalmente Loira": confiante e autossuficiente.

Mas a dor de coração é como qualquer outra dor, e leva tempo a curar.

O que é incrível a respeito da dor de um coração partido é que o nosso corpo apreende-a como uma dor física. O amor ativa os mesmos centros neurológicos de recompensa que a cocaína, e perder o amor pode fazer-nos sentir como numa ressaca depois de deixar as drogas ou o álcool subitamente.

Independentemente de estarmos a sofrer de abstinência ou a experimentar uma rejeição emocional, os neurónios do córtex do cíngulo anterior e da ínsula começam a disparar. Achamos que a única maneira de nos sentirmos melhor é experimentar de novo a euforia; ansiamo-la fisicamente.

Tal como os viciados, não conseguimos pensar com clareza e discutimos com nós próprios sobre cada decisão: "Deveria ligar-lhe? Não, não pareças desesperada". Quando os recetores da dor disparam, o resultado é sentirmo-nos quebrados, física e emocionalmente.

O que eu não sabia na altura, porém, é que existe uma salvação. A medicina moderna oferece-nos um remédio de venda livre que tem demonstrado melhorar os efeitos emocionais dos desgostos de amor.

Numa pesquisa publicada em 2010, os cientistas descobriram que o paracetamol pode reduzir as respostas físicas e neurais associadas com a dor da rejeição social, seja nos relacionamentos amorosos, nas amizades ou noutras situações.

Por isso, se estiver a sofrer com o coração partido, tente tomar algum paracetamol.

A ressaca acaba por passar e o mesmo acontece com a dor da rejeição. Eu odeio o quanto chorei e todo o tempo que desperdicei sentindo a falta dele. Odeio a dor que senti, mas ainda me sinto muito grata pela relação que tivemos porque me ensinou o que significa amar e ser amado.

Agora sei o que quero: uma relação que me encha de dopamina e regule o meu batimento cardíaco quando ele entrelaçar os seus dedos nos meus. Saberei que é a relação certa quando puder falar livremente durante horas, mas também estiver à vontade em silêncio. Já não passo tanto tempo à procura desse sentimento, perguntando-me como devo sentir o amor, porque reconhecê-lo-ei quando ele chegar e não o forçarei se ele não estiver lá.

Recentemente fui eu a partir o coração de outra pessoa. Ele começou por ser um amigo, mas disse que queria ser mais do que amigo. Eu dei-lhe algumas semanas, porque ele merecia isso. Saímos para tomar o pequeno-almoço um dia, outro para almoçar e, algum tempo depois, para jantar. Era bom estar com alguém que gostava tanto de mim, mas o meu núcleo accumbens estava tranquilo. Não havia euforia de dopamina quando ele segurava a minha mão e o meu batimento cardíaco não se regulava num ritmo sincronizado com o dele.

Tentei acabar com gentileza e respeito, mas havia tensão e confusão óbvias nos seus olhos quando o seu sistema nervoso parassimpático se pôs em marcha, enquanto eu lhe expunha as minhas razões. Eu conseguia imaginar a contração dos músculos do seu sistema digestivo, a desaceleração do seu batimento cardíaco.

Eu já tinha passado por aquilo. Sabia que ele iria ficar bem e queria dizer-lho, mas a experiência ensinou-me que eu não era a pessoa certa para ajudar.

Este conflito entre a minha cabeça e o meu coração - por eu querer confortá-lo, mas saber que não devia fazê-lo - estava a fazer acelerar a minha pulsação e tremer o meu corpo. Então, dei-lhe um abraço de despedida e afastei-me, esperando que alguém pensasse em dar-lhe paracetamol.

(Melissa Hill licenciou-se recentemente na Universidade de Brown.)

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