Para não incomodarem
As crianças são muito enérgicas, dá-se-lhes ritalina ou um outro psicofármaco que as amanse. Os idosos não dão descanso a quem toma conta deles, aplica-se-lhes sedativos. A "explicação" comum a estes abusos resume-se a "para não incomodarem", a expressão que o médico Álvaro de Carvalho, diretor do programa nacional para a saúde mental, usou para falar do excesso de ansiolíticos aplicados a idosos, em casa mas sobretudo em lares. As declarações são feitas com cautela - falando de "suspeitas", "indícios" e apontando para a criação de um grupo de trabalho para estudar o assunto -, mas estamos perante duas situações que, mais do que nos indignarem, precisam de uma resposta rápida, serena e eficaz. Porque a vida de hoje, com as suas correrias, pressões e descompensações, não pode servir de justificação para atos que comprometem a saúde futura das crianças e a vivacidade dos mais velhos. Claro que as crianças são muitas vezes difíceis de aturar, que têm mais energia do que nos lembramos de alguma vez ter tido. Claro que há casos de hiperatividade e outras perturbações que podem ser tratadas. Claro que pode ser muito pesado acompanhar uma pessoa doente e diminuída pela idade. Mas são precisamente estes os dois grupos mais indefesos, aqueles que dependem inteiramente dos cuidados dos outros, e os medicamentos que lhes são dados são prescritos por médicos. O relatório ontem divulgado mostra também que nos últimos anos os suicídios aumentaram, nos homens e nas mulheres, e principalmente entre "os que são muito novos para ser reformados e demasiado velhos para trabalhar" - outra frase a reter, citada no próprio documento. Afinal, aqueles que se sentem perdidos, sem perspetivas de futuro. Que escolhem a morte como se dissessem que não querem incomodar ninguém. Estes dados tão crus interpelam-nos a todos, como sociedade que vai descartando os mais simples gestos humanos de compreensão. E sim, estes dados devem incomodar-nos e muito, porque são simplesmente inaceitáveis.