Para não esquecer a Sérvia
"As mulheres têm ar de top model e os homens de criminosos de guerra!" Quem disse? Fui eu, e desde já peço desculpa, vinte vezes desculpa. Saiu-me durante o jogo de futebol entre Portugal e a Sérvia da passada segunda-feira. Um jornalista não deveria fazer afirmações como esta, mesmo no sofá, mesmo na brincadeira, logo eu que fui tão bem tratado no país, sobretudo em Belgrado, cidade tão improvável como poética - um dos destinos da Europa com melhor vida noturna (diz-se) e eu, é claro, confirmo, só de falar disso vem-me logo o cheiro a rakija (aguardente) ao nariz.
"O que eu queria dizer é que as mulheres são lindas e os homens têm um físico incrível", tento corrigir, mas já não vou a tempo, está dito está dito, talvez este texto me ajude a salvar a face. "Estamos habituados a que as pessoas nos olhem com desconfiança, como se fôssemos todos ultranacionalistas, mas às vezes custa. Também sofremos muito." As palavras são de Simonida, a minha simpática guia da altura, já lá vão cinco anos, mas recordo-as como se as tivesse dito agora. Falou-me depois dos muitos ataques de que a capital foi alvo ao longo da história, mais de 115, sobretudo durante a ocupação otomana, quarenta deles altamente destrutivos.
Um deles, durante a Segunda Guerra Mundial, foi tão forte que os animais fugiram do jardim zoológico, momento que Emir Kusturica retratou no filme Underground. O mais recente teve lugar em 1999, fez no passado domingo - 24 de março, um dia antes do jogo - 20 anos. A NATO bombardeou Belgrado durante 79 dias consecutivos, como retaliação pela situação
no Kosovo. Terão morrido 2500 pessoas.
Não encontrei qualquer notícia ou artigo sobre o assunto na imprensa portuguesa. Poucos dias antes, a 20 de março, quase todos os meios de comunicação noticiaram a condenação de Radovan Karadzic, antigo líder dos sérvios da Bósnia, a prisão perpétua. Não é um crime, naturalmente, mas que este jornalismo ajuda a que fiquemos todos menos inteligentes - eu, na linha da frente -, lá isso ajuda.