Para eles agosto é o mês em que não há folgas nem férias

Sol, praia, festas e petiscos são para os outros. Para eles há trabalho sem tempo para folgas. Agosto é sinónimo de trabalhar no duro.
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Ainda agosto não tinha começado quando Miguel Galão se pôs a caminho com o Algarve como destino. Mas, ao contrário da maioria dos portugueses que rumam a sul mal o sol aquece, não é a praia e o descanso que o chama. São festas, todas as noites há uma, e é a ele que cabe organizá-las - um trabalho que já conhece de cor e cuja organização começa muitos meses antes.

"Durante 18 verões consecutivos", o CEO e fundador da WAM-We Are Music - que representa artistas como os DJ André Henriques, Kamala ou M.Dusa, Diogo Faro ou Insónias em Carvão - e da New Sheet, criadora de conceitos de sucesso gigantesco como o TurbóBaile e a loucura das festas Revenge of the 90″s, passou o mês e meio de maior calor a sul.

"Em agosto, todas as noites há festa." A Miguel Galão, 37 anos e formado em Fisioterapia em Alcoitão, apesar de cedo ter percebido que a sua verdadeira vocação passava pela música, cabe organizar e trabalhar cada noite para as suas serem melhores do que as da feroz concorrência do verão algarvio. "Foram 18 anos sem parar durante este mês, todas as noites até de manhã."

Agora, pela primeira vez, consegue estar num registo mais descontraído, mas nem por isso abranda esforços. "Não passo tanto tempo na cabina de DJ; neste ano estou mais na vertente de empresário. Compete-me organizar, fazer telefonemas, receber e responder aos e-mails e assegurar que tudo está conforme queremos.

"E não é pera doce, entre supervisionar uma dezena de pessoas que compõem a equipa de produção e "alinhar cada noite para tudo estar perfeito".

Mesmo assim, neste que "é o ano com mais eventos no Algarve", há noites em que é ele a estrela da companhia. Como no último sábado, em que os clientes do Bliss só arredaram pé de manhã.

Que tempo resta para descansar e aproveitar o verão? "Neste ano, ainda consigo ir à piscina e treinar durante o dia." Mas férias que se vejam, essas ficam para setembro, normalmente fora de Portugal e desligado do mundo. Há que recarregar baterias antes de começar a planear a rentrée.

Um escritório com chão de areia

Pode servir os propósitos de filmes românticos, mas aquela ideia de que trabalhar na praia é uma maravilha temperada com mergulhos no mar e luaus com amigas de biquíni e amigos de abdominais definidos não podia estar mais longe da verdade. Que o diga Sofia Fagundes, que gere o bar da direita da praia do Castelo com os dois sócios, Tó e Rui Lino. "Um bar de praia é um negócio como outro qualquer e tem de ser gerido com método e organização. Claro que ter o escritório na praia permite pausas bem mais agradáveis, mas literalmente estamos a trabalhar onde todos os outros se divertem e descansam... Há fins de semana em que não piso a areia nem sinto o sol."

Entre o serviço de bar, almoços e jantares, toldos e chapéus-de-sol, escolas de surf e companhia, resta muito pouco ou nenhum agosto para os três sócios do bar Manduca aproveitarem. "Na Costa da Caparica este é um mês em que recebemos um tipo de clientes muito diferente do resto do ano, e vêm sempre, mesmo que não estejam grandes dias de praia", conta Sofia, que há quatro anos trocou um gabinete administrativo num jardim-escola pelo seu negócio. Mesmo que assim não fosse, sendo um concessionário de praia, tem de abrir todos os dias a partir das 9.00 para garantir o apoio aos veraneantes.

O dia-a-dia é gerido conforme as reservas e o tempo que faz, mas quando se abrem as portadas do Manduca já há horas de trabalho feito - as compras diárias, o planeamento de eventos agendados, as encomendas necessárias para responder a parcerias como a que têm com a escola de surf, a decisão de que staff chamar para a procura que se prevê para cada dia.

"É complicado ter um staff qualificado e disponível e ao mesmo tempo garantir a sustentabilidade do negócio, mas conseguimos gerir a semana de modo a todos terem alguma folga durante a semana - nunca ao sábado ou domingo, claro, ou seria impossível aguentar o pico do fim de semana", revela Sofia. "Mas temos sorte com os colaboradores - não é nada fácil garanti-los com a disponibilidade e o empenho necessários num negócio destes".

Quanto aos sócios, estão no fim da linha no que respeita a horas de descanso ou descontração com amigos. "Nas raras vezes em que aceitamos algum compromisso, não é certo que consigamos corresponder - aliás, muitas vezes acabamos por ter de cancelar e desistir." Se compensa todo o esforço? Sofia não hesita: "Gosto muito do que faço, claro, se não não compensava o esforço de estar aqui todos os dias de sol a sol. É verdade que faturamos mais neste mês de agosto do que em qualquer outra altura do ano, mas também crescem muito as despesas, nomeadamente com pessoal, nadadores-salvadores, etc. Faturar mais não significa lucrar mais."

Pastéis há muitos... mas nunca tantos como agora

Não é preciso chegar ao Algarve ou sequer atravessar a ponte para encontrar quem conheça uma realidade diferente - ainda que não no esforço acrescido que vem com o mês de agosto. Para os Pastéis de Belém, este é o mês mais rentável de todo o ano. E o gerente, Miguel Clarinha, tem uma base de comparação de 12 meses, 365 dias. Com as portas abertas todos os dias do ano sem exceção e filas de clientes a praticamente todas as horas do dia, manter um número flutuante de colaboradores não é verdadeiramente uma opção, por isso a diferença do verão para o resto do ano está apenas na quantidade deles que têm folgas em simultâneo.

"Somos 185 no total e trabalhamos por turnos. Procuramos ter uma equipa pronta para enfrentar os meses de maior movimento, mas não fazemos contratação temporária apenas para o verão. O que acontece é que em agosto temos muito poucas pessoas de folga. Por norma, só uma ou duas por secção", explica o gerente.

Miguel não consegue precisar o número de pessoas que passam pelos Pastéis de Belém em agosto, mas admite que tem a casa "bem composta durante todo o dia", entre clientes portugueses - neste mês de agosto, muitos deles emigrantes ou pelo menos de fora de Lisboa - e estrangeiros. A equação está bem equilibrada: metade nacionais, metade estrangeiros que vêm de visita. E uma coisa é certa: este é o mês em que se fatura mais. "Durante o mês de agosto, vendemos aproximadamente um milhão de pastéis." É praticamente o dobro dos cerca de 20 mil pastéis que saem diariamente no resto do ano. O que mais do que justifica que, para Miguel Clarinha, tirar dias de folga em agosto simplesmente não seja uma opção. "As férias são em setembro, porque nesta altura todos os dias são de imenso trabalho."

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