"Para combater é preciso ser capaz de enfrentar o perigo"

Entrevista ao treinador Bruno Carvalho, do Privilégio Boxing, clube da Póvoa de Santo Adrião
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A imagem do boxe continua a ser associada a um desporto violento?

Há uma geração de antigos atletas, agora na casa dos 40 anos, que quando terminaram a carreira foram estudar, procurar formação específica, para relançar este desporto. O que acontecia no boxe é que estava muito ligado a trei-nadores antigos e pequenos ginásios, muitas vezes em bairros problemáticos, Musgueira, Curraleira, Chelas, que fazia que a população em geral não se sentisse cativada a experimentar o treino. Os próprios ginásios não ofereciam condições. Assim, o boxe acabou por estagnar. Só por si a palavra boxe já assusta as pessoas. Se não existir trabalho técnico e pedagógico de qualidade, a situação torna-se mais difícil de corrigir.

Esse trabalho já está a dar frutos?

Estou no Privilégio desde 2003. A desmistificação do boxe nestes 14 anos foi notória. Quando cheguei, tinha apenas amigos meus a treinar. Hoje é incrível. Há pais a treinar com os filhos, outros que ficam aqui a ver o treino, avós a trazerem os netos... A modalidade também já está em health clubs, onde se pode aprender algumas bases. O acesso é hoje mais fácil, permitindo que cresça o número de potenciais atletas. O problema é que não temos no boxe uma federação como a que o futebol tem, que dê asas a este desporto.

Mas ela existe...

Existe, mas está completamente à margem dos apoios do IPDJ por falta de cumprimento de deveres e obrigações [ausência de eleições e entrega de relatórios de contas]. Tivemos aqui um atleta (Paulo Bernardes) que teve a possibilidade de ir aos Jogos do Rio (ficou a um combate de ser apurado) e teve de fazer toda essa caminhada sem apoios. O sacrifício foi tanto que chegou a uma altura em que o atleta bloqueou. E hoje está mais afastado do boxe. A inércia de federação está a matar-nos.

O boxe é um desporto que pode ser praticado por qualquer pessoa?

Na parte de treino sim. Na vertente competitiva, só os mais capazes. Em competição tens de ter uma boa preparação, pois estás sempre exposto e podes magoar-te. Não é como no futebol, onde se estiveres cansado passas a bola a outro. E há a parte psicológica: nem todas as mulheres e homens estão capacitados para lutar.

É preciso ter agressividade?

Não direi agressividade. Isto é um jogo. É preciso saber jogar. Ter preparação física e técnica adequada, saber quando e como atacar e defender. E depois ter um traço de personalidade capaz de enfrentar o perigo. Mas treinar qualquer um o pode fazer. É possível realizar todo um treino através de ginástica e exercícios sem contacto, que é, cada vez mais, só para quem quer competir.

Como é que chegou ao boxe?

Comecei a competir em 1997, a maior parte do tempo em boxe olímpico. Eu sempre gostei da modalidade. Lembro-me de acordar de madrugada com o meu irmão, sem os meus pais saberem, para ver uns combates que passavam na SIC. Depois, eram tempos diferentes. As crianças podiam andar na rua à vontade e volta e meia existiam aquelas pequenas zaragatas. Então eu e o meu irmão dissemos: "Vamos aprender boxe e já ninguém se mete connosco" [risos]. E lá fomos para o Sporting, que era o clube mais perto de nós. Somei títulos regionais, nacionais e abracei uma carreira profissional, mas a certa altura vi que esta estava estagnada. Face a isso, resolvi parar, até porque se o boxe for mal gerido também pode trazer problemas de saúde, graves, o que poderia condicionar a minha opção de tentar uma carreira de treinador.

Quais são as diferenças entre o boxe olímpico e o profissional?

O olímpico é como uma prova de 200 metros. Andamos no ringue, durante três assaltos de três minutos, sempre no ritmo máximo. O atleta é um sprinter. O profissional comparo-o aos 10 000 metros. O combate varia entre 8 a 10 assaltos (12 para títulos mundiais), mais demorados, os atletas procuram mais a força, o golpe certo... É mais de dor, de demolição. O olímpico é mais de desporto, em que o interessa é ter muitos combates, ser rápido, e onde há pouca receção de golpes. O atleta aprende mais e sem se magoar. É tudo muito diferente.

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