Paquistão. Sob as nuvens de Deus

Mala de viagem (137). Um retrato muito pessoal do Paquistão.
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Dos Emirados, segui num voo com destino a Islamabad, no Paquistão, um país que, "espremido" entre a Índia, a China, o Irão e o Afeganistão, é o epítome de uma encruzilhada cultural. O nome "Paquistão" vem da palavra persa "Pak", que significa "puro", e "istão" traduz-se como "terra de", ou seja, "uma terra abundante em pureza" ou "terra santa" na língua urdu. Com a pureza da sua condição humana, Malala Yousafzai é uma das ativistas dos direitos humanos e sobrevivente dos talibãs, tendo sido a mais jovem vencedora do Prémio Nobel da Paz (2014), pela sua luta contra os maus-tratos às crianças e jovens e pelo direito de todos à educação. Curiosamente, o Paquistão também fora a primeira nação muçulmana a eleger uma mulher como primeira-ministra, Benazir Bhutto (1988). Portanto, no meio da controvérsia acerca dos constrangimentos da mulher paquistanesa e dos condicionalismos dos jovens, aqueles dois exemplos são notáveis, ou seja, são como "oásis no deserto", metaforicamente. Porém, a realidade física do território tem algo semelhante. No Paquistão, pode-se plantar no deserto, porque o de Tharparkar é o único deserto fértil do mundo. Durante as chuvas regulares de junho a agosto, a paisagem árida e sombria transforma-se num verde exuberante. A economia do país é altamente dependente da agricultura e, para apoiá-la, o Governo desenvolveu um sistema de irrigação para cultivar 202.000 quilómetros quadrados de terra. Este é o maior sistema de irrigação em canal. Situado na península do Indostão, sendo o quinto país mais populoso depois da China, da Índia, dos Estados Unidos e da Indonésia, o Paquistão tem importância geopolítica e tem tido uma exploração agrícola importante. A agricultura é considerada a espinha dorsal da economia: trigo, algodão e pomares de manga, designadamente. A propósito, o valor total do comércio de Portugal com o Paquistão é relevante (170 milhões de euros em 2020). Portugal importou do Paquistão 147.267.000 euros e exportou 23.407.000 euros. As importações são compostas essencialmente por produtos têxteis de algodão, vestuário, vegetais alimentares e bebidas. As exportações portuguesas para o Paquistão são máquinas, pedras preciosas e semipreciosas, pasta de papel e têxteis. De acordo com a análise do Banco Mundial, a economia do Paquistão conseguiu uma boa recuperação pós-Covid-19, crescendo 5,6% em 2021. Para esta situação contribuíram, no segundo semestre de 2021, as remessas da emigração, ao mesmo tempo que se registaram boas produções de arroz e cana-de-açúcar. Porém, já se registava uma alta subida da inflação. Só que, em 2022, deu-se uma tragédia. As inundações devastadoras que assolaram um terço da área do Paquistão causaram grandes perdas aos agricultores, designadamente nas produções de algodão e cana-de-açúcar da província de Sindh, no sul. Os agricultores não conseguem semear trigo de inverno, que é essencial para garantir a segurança alimentar no país. Na estrada que antes percorri, entre Sukkar e Samu Khan, as imagens de hoje dão-nos uma devastação chocante causada pelas enchentes, a tal ponto que os agricultores já não têm fé em produzir o algodão. Os grandes proprietários ainda têm recursos, os pequenos não acreditam na recuperação pelos parcos meios, os mercados e as lojas fecham e a população enfrenta um flagelo de dificuldades. Depois do vírus mais mediático do século, esta tragédia é vista como o sucessor, mas este veio do céu. Nesta "terra abundante em pureza", afinal, por onde anda Deus? - "O nome de Deus é, realmente, magnífico! Tu não temerás os terrores noturnos, nem a flecha que voa à luz do dia. Nenhum mal te atingirá" ("Bíblia"), embora os muçulmanos creiam que o "Alcorão" seja a última Revelação de Deus, sobrepondo-se à "Bíblia", a qual, dizem eles, não está na sua forma original. Talvez, por isso, a pureza dos paquistaneses esteja na sua capacidade de contemplar a mácula e seguir em frente, como conta a história. Pelos vistos, a sua perseverança é mais forte do que a bênção de Deus.

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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