Paquistaneses recusam ser associados ao terrorismo

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"Não gostamos de terroristas. Não nos interessam as notícias"

Faltam dez minutos para as 16.00, hora da terceira oração do dia dos muçulmanos. Os homens sobem ao primeiro andar do n.º 119 da Rua do Benformoso, em Lisboa, uma mesquita improvisada a que preferem chamar "casa de oração". Descalçam-se, lavam os pés, mãos e cara, preparam-se para rezar. Solícitos, franqueiam as portas aos jornalistas. São paquistaneses e estão a par das notícias sobre a ameaça de um atentado em Portugal. "Não gostamos de terroristas, não nos interessam estas notícias. Vivemos aqui!, comentam. Mas há alguém que reage pior quando referimos que estariam a ser procurados dois compatriotas seus em Portugal e que teriam ligações aos 14 detidos em Espanha, suspeitos de prepararem acções terroristas: "Como sabe que são paquistaneses?"

A pergunta incorpora uma crítica à associação entre o Paquistão e o terrorismo, mas surge praticamente isolada. Até porque, sublinham, não se sentem prejudicados por este tipo de notícias. "Estamos aqui para trabalhar [na construção civil]. Temos trabalho, é o que interessa", diz Nascer Ahmad, 44 anos, desde 2001 no País.

Criticam os terroristas e defendem que os atentados nada têm a ver com a religião muçulmana, mas acabam por desvalorizar as informações dos serviços espanhóis. "Não acreditamos que isso possa acontecer em Portugal. O islão não gosta disso e quem faz isso é por dinheiro", diz o imã Amjad, responsável pela mesquita.

É também a recusa em associar o Alcorão a práticas terroristas que leva o xeque Munir, líder religioso da comunidade islâmica em Portugal, a não comentar as notícias sobre os 14 detidos em Barcelona presumivelmente por estarem envolvidos na preparação de um atentado. "Nada tem a ver com a religião", justifica.

A porta da mesquita do imã Amjad abre cinco vezes por dia, tantas quantas as orações exigidas pela religião muçulmana. Uma prática que não excede os 15 minutos, após a qual poderão ler passagens do Alcorão. Meia hora depois, o grupo está na rua e despede-se com uma observação: "Paquistão e Portugal iniciam-se com a mesma letra. Somos iguais!" Só lamentam que o Presidente do Paquistão não inclua Portugal na viagem à Europa.

A mesquita fica junto ao Martim Moniz, nas traseiras da Almirante Reis, onde a comunidade oriunda do Paquistão - mas também da Índia e do Bangladesh - tem grande visibilidade. Ali encontram compatriotas e angariadores de mão-de- -obra, compram as túnicas, cortam o cabelo como só um cabeleireiro paquistanês sabe fazer, matam as saudades dos sabores paquistaneses, nomeadamente da pakora (uma espécie de patanisca de batata e cebola).

"Temos clientes de todas as nacionalidades, mas os asiáticos e portugueses estão em maioria", diz Afzaal Ahmed, 35 anos, há 16 anos em Portugal. É o gerente do Taste of Punjab, um dos dois restaurantes paquistaneses que ficam nas escadinhas em frente ao poço do Borratém. Ouviu a notícia do alerta de atentado na televisão portuguesa e sublinha que a estação paquistanesa Geo News, a que vê com maior regularidade", nada disse sobre o assunto. "Penso que isso não irá acontecer em Portugal. A comunidade dá-se bem, não temos problemas", justifica.

Muito perto está o cabeleireiro de Mohammad Sadiq, 64 anos, que há 14 trouxe a arte para Portugal. Mal percebe o português e é o filho, Nauman Sadiq, de 33 anos, que diz: "Está tudo muito calmo, não vai acontecer nada."

Aquela é a opinião de muitos outros paquistaneses. "Ouvi as notícias, mas isso não é verdade. Os paquistaneses que aqui vivem vieram da agricultura e são pobres. Sou pedreiro, ganho 50 euros por dia, tenho de pagar casa, comida, telefone e mandar o que posso para a família. Não tenho dinheiro para dar à al-Qaeda", explica Mohammad Riaz, 43 anos, há seis anos no País.

No único dia de folga semanal, domingo, Mohammad foi até à praça do Martim Moniz, onde sabe que encontrará alguém conhecido . A comunidade criou aqui uma parcela do seu mundo, um mundo de homens. As mulheres e os filhos ficaram no Paquistão.

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