Papua-Nova Guiné. O paraíso das 836 línguas

Mala de viagem (136). Um retrato muito pessoal da Papua-Nova Guiné.
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"Nós falamos mais de 800 línguas. Quem vier ao nosso país e ficar por uns tempos pode conhecê-las", disse o representante de um pequeno país entre o Sudeste Asiático e a Oceânia, naquela reunião na Nova Zelândia que, várias vezes, já referi. Quando lhe perguntei sobre as raízes portuguesas, referiu que não estão esquecidas junto dos estudiosos locais, mas não estão presentes nos percursos turísticos, portanto quem lá vai e desconhece não descortina esse legado. O território foi descoberto por navegadores portugueses, em 1511, e originalmente chamava-se Nova Guiné, mas durante os anos seguintes vários exploradores de outros países chegaram ao território, tendo a ilha sido dividida em três partes: uma alemã, a norte, uma holandesa, a ocidente, e a zona sul para os britânicos. Em 1906, estes últimos entregaram a sua parte da ilha à Austrália e, com a derrota da Alemanha na Grande Guerra, a parte alemã passou também para controlo australiano. As partes a norte e a sul fundiram-se numa só, em 1971, constituindo a Papua-Nova Guiné, que ocupa a parte leste da ilha da Nova Guiné. A sua única fronteira terrestre é com a Indonésia, que ocupa a parte ocidental da ilha. O nome oficial do país é Estado Independente da Papua-Nova Guiné e a capital é a cidade de Port Moresby. A conversa com aquele papuasi, responsável pelo turismo local, foi gratificante. Apesar da proximidade com a Micronésia, ele era um exemplo característico daquela população, com pele escura, assemelhando-se mais aos africanos do que aos oceânicos. Era fluente na conversa e falou-me de Timor e do período em que foi dominado pelos indonésios. Porém, estávamos ali para falar do seu país. Eu pedi-lhe para me esclarecer acerca da profusão linguística, dito veementemente por ele na sua intervenção perante nós, o que me permitiu "ficar com a pulga atrás da orelha". Disse-me que, apesar de as línguas oficiais serem três (inglês, "hiri motu" e "tok pisin"), porém, este é o Estado com maior variedade linguística do mundo. Os seus 7 milhões de habitantes falam 836 línguas, "e já foram 848, uma vez que doze não possuem nenhum falante vivo", esclareceu. A minha mente começou a imaginar o que se poderia fazer, em termos turísticos, com esse tão valioso património e como isso poderia ser articulado com o conhecimento das crenças indígenas tradicionais, as extensas florestas, os pântanos, os manguezais e outros tipos de ecossistemas, onde, por exemplo, ainda existe o único canguru que vive em árvores. Isto sem esquecer que o pássaro escolhido para estampar a bandeira e o brasão de armas do país é a ave-do-paraíso, considerada uma das mais belas espécies no mundo. "Um milhão de viagens diferentes" passou a ser o "slogan" oficial do país, tal como a profusão linguística e de recursos turísticos. E veio-me à memória este pensamento: "Se cada língua diferente pode ser uma visão diferente da vida, será que as 836 da Papua-Nova Guiné terão visões distintas do seu país?"

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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