Papa admite preservativo para mulheres com zika não engravidarem
A abertura do Papa Francisco a meios contracetivos como o preservativo ou a pílula, como forma de evitar que as mulheres infetadas com o vírus zika engravidem, correndo o risco de o futuro bebé vir a sofrer complicações como microcefalia, pode ter surpreendido muito fiéis. Mas no que respeita à Igreja Católica não foge ao que há muito é o pensamento dominante. Quem o diz ao DN é José Manuel Pereira de Almeida, padre, médico, professor da Universidade Católica e especialista em temas de ética.
"É bom que o Papa possa dizer isso, mas em relação à teologia moral católica este é um assunto mais do que sereno", diz ao DN o pároco da Igreja de Santa Isabel, em Lisboa.
Em declarações citadas pelo jornal britânico The Guardian a propósito das suspeitas de ligação entre a infeção pelo zika e o surto de casos de microcefalia no Brasil - mais de quatro mil casos suspeitos - , o Papa voltou a rejeitar em absoluto o cenário do aborto, que definiu como "o demónio absoluto", comparando a interrupção da gravidez às práticas da máfia italiana. Mas em relação à contraceção admitiu que esta pode ser vista como "um mal menor", considerando que "evitar a gravidez não é um mal absoluto".
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O Sumo Pontífice deu o exemplo de Paulo VI, que permitiu que freiras em missão em África tomassem a pílula quando estivessem em regiões onde corriam o risco de ser violadas. E Pereira de Almeida acrescentou exemplos de outras situações, nomeadamente envolvendo o papa João Paulo II: "Já depois de uma polémica sobre declarações relativas a África, a propósito do preservativo, veio dizer que se tratando de uma situação de saúde pública a lógica era diferente."
Pereira de Almeida lembrou que a discussão em torno deste tema dentro da Igreja "começou muito bem, com uma comissão constituída por João XXI e alargada por Paulo VI". Mas viria a "acabar muito mal" devido à divulgação de uma encíclica "muito mal recebida", do papa italiano - Humanae Vitae -, em que este afirmou que a contraceção por via de meios exclusivamente artificiais era proibida pela Igreja Católica.
"A partir daí tudo [o que tem que ver com intervenções sobre o tema] tem sido feito com pinças", admitiu. "Mas a reflexão é serena", defendeu, acrescentando: "Sentimo-nos muito confirmados pelas afirmações do Papa. Tanto neste setor como nas questões sociais, a reflexão da teologia católica é acompanhada."
Também o padre Vítor Melícias - com um longo historial de ligação às causas sociais - confirmou ao DN a sua concordância com as palavras do Papa. Ainda que das suas palavras se possa subentender que não estivesse tão convencido de que era esta a visão dominante na Igreja em relação a este tema: "Fiquei muito contente porque penso o mesmo há muito tempo", disse. "Fico satisfeito porque o Papa Francisco se guia por uma moral de misericórdia e não por uma moral de leis e de cânones".
O DN tentou contactar vários outros responsáveis da Igreja Católica, mas o facto de estar a decorrer em Faro um retiro de bispos, pela Quaresma, e a relutância de vários religiosos em se manifestarem de imediato sobre as declarações do Papa impediram a recolha de mais opiniões.
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Aborto debatido no Brasil
No Brasil, como noticiou o DN no início da semana, a discussão tem-se centrado não tanto em relação ao uso de contraceção mas sobretudo em torno da possibilidade de as mulheres recorrerem ao aborto.
O debate foi lançado pela recomendação de Zeid Ra"ad Al Hussein, principal comissário dos direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), para que os países mais afetados pelo vírus zika permitam o aborto. Uma prática criminalizada em grande parte da América Latina, nomeadamente no Brasil, onde se têm concentrado os casos suspeitos de microcefalia associada ao zika.
A Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros já veio reiterar que "o aborto não é resposta". Já o Conselho Nacional das Igrejas Cristãs - que agrega cinco fés cristãs - admitiu que o tema do aborto deve ser discutido.