Pandora Papers desencadeiam processo de destituição ao presidente do Chile
A oposição falou a uma voz na quarta-feira: o presidente usou "o cargo para negócios pessoais", disse o parlamentar Tomás Hirsch durante a apresentação da acusação contra Sebastián Piñera na Câmara dos Deputados do Chile e que pode levar à sua destituição. O bilionário, que se diz inocente, está a ser investigado pelo Ministério Público na sequência da investigação jornalística Pandora Papers.
Twittertwitter1448287104597823492
Em nada menos de 11,9 milhões de documentos que o consórcio jornalístico começou a desocultar no dia 3, foi revelado que 14 presidentes latino-americanos, atuais ou passados, tiveram negócios em paraísos fiscais. Dos três atuais - Guillermo Lasso (Peru), Luis Abinader (República Dominicana) e Sebastián Piñera -, o caso do chileno é o mais grave porque, além de incorrer na condenação pelos deputados e senadores, e a consequente destituição, pode ser implicado criminalmente.
Em causa está o negócio que liga a família Piñera Morel, que era o maior acionista do projeto mineiro Dominga, com Carlos Alberto Délano, um empresário e amigo de infância do presidente entretanto condenado por evasão fiscal. Os dois tinham mais de 56% da propriedade até 2010, quando Délano comprou as restantes ações por 152 milhões de dólares, numa transação levada a cabo nas Ilhas Virgens Britânicas, e alvo de investigação do portal Labot e do Ciper, centro de investigação jornalístico do Chile.
O mais controverso é que uma das cláusulas do contrato previa que a última das três prestações do pagamento dependia de não se estabelecerem proteções ambientais que impedissem a instalação do projeto mineiro - duas minas a céu aberto de ferro e de cobre - que ameaça os ecossistemas da área onde se prevê a sua construção, quer no deserto de Atacama, quer no atual porto pesqueiro de Punta de Choros, a transformar em porto de carga situado perto de um arquipélago onde residem espécies protegidas, como o pinguim-de-humboldt.
No primeiro mandato de Sebastián Piñera, entre 2010 e 2014, nada se fez para proteger ambientalmente a região, apesar de ter cancelado a construção de uma central termoelétrica na mesma região. O projeto foi aprovado por um tribunal regional, mas a sua sorte será decidida pelo governo e pelo Supremo Tribunal.
Piñera, de 71 anos, defendeu-se em conferência de imprensa (limitada a três perguntas), na qual declarou não ter conhecimento do negócio da venda ao amigo porque tinha os ativos num fundo fiduciário cego, isto é, ao qual não tinha acesso, e alegou que o Ministério Público já tinha investigado "de maneira profunda" os factos, mas estes não eram do conhecimento público.
Apresentada a acusação, foi formada uma comissão de inquérito que vai apresentar um relatório a recomendar a aprovação ou rejeição do pedido de destituição. Depois da esperada aprovação na Câmara dos Deputados, onde a oposição tem larga maioria, e que deverá acontecer na primeira semana de novembro, o resultado no Senado é incerto, uma vez que é necessária uma maioria de dois terços para condenar o impopular presidente (20% de apoio).
O segundo mandato do quarto homem mais rico do Chile terminaria em março e fica marcado pela forte contestação social que desembocou na assembleia constituinte. Esta prepara uma nova Constituição para substituir a do tempo de Pinochet, a qual terá de ser aprovada por plebiscito.