Palavra

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Gosto destas novas crónicas do campo", diz-me o Arlindo. "São as crónicas de um homem feliz."

Ele sabe do que fala. Acompanhámo-nos durante anos, um a tentar tornar-se escritor e o outro a tentar tornar-se cineasta, pelo que sabemos do que falamos quando falamos um do outro. O extraordinário foi que aquela palavra, ao contrário do que teria acontecido noutra altura da vida, não me ofendeu.

"Feliz." Repito-a na minha cabeça. Um homem feliz. Ser feliz. Sermos felizes.

Não mete estilo e, no entanto, soa-me tão bem.

Naturalmente, a felicidade não tem história. O que tem história é tudo aquilo que pode destruí-la. Um segundo basta. Não é por se estar no campo, ou no meio do mar, ou simplesmente longe que se está a salvo. E, no nosso caso, continua a haver demasiados dias em que não conseguimos tempo para cheirar as rosas.

A própria vida é uma manta curta. O máximo que se pode fazer é ir gerindo as prioridades. E cruzar os dedos.

De resto, estou certo de que metade dos meus vizinhos aceitariam de bom grado essa aposta: felizes é que não são. Como poderiam sê-lo, se passam a vida a trabalhar?

E, contudo, disso se trata. Chega de ter medo das palavras (notem que a contorno ainda). Se o devo ao espaço ou apenas ao tempo, não sei. Talvez tudo se resuma a algo bem mais prosaico do que aquilo que faz sonhar quem sonhe com a vida no campo: ter passado os 40 e aprendido a dançar.

Mas o facto é que, quando à noite me sento com a Catarina, a jantar e a discutir a crónica seguinte, porque as escrevo à noite (e por isso me saem às vezes demasiado íntimas, como esta), torno a sabê-lo. Dizem-mo elas, e só por isso já valeu a pena mudar: para escrever estas crónicas e saber que sou feliz.

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