Paisagens vastas em demasia para o fôlego da orquestra

Susanna Mälkki dirigiu a Orquestra Gulbenkian que interpretou a "Tapiola" de Sibelius e a "Nona Sinfonia" de Mahler, obras que é raro ouvir ao vivo em Portugal
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Anunciava-se como um dos programas mais aliciantes da temporada da Orquestra Gulbenkian (OG) aquele que ouvimos na noite da passada quinta-feira, no Grande Auditório da Fundação. Dirigidas por Susanna Mälkki, Maestrina Convidada Principal da OG, duas obras-primas sinfónicas do século XX inicial, a "Tapiola", de Sibelius - do qual se comemora este ano o sesquicentenário do nascimento - e a "Nona Sinfonia" de Mahler, obras que é raro ouvir ao vivo em Portugal. E talvez nessa raridade resida, afinal, a justificação para as deficiências que se foram acumulando, ou mesmo multiplicando, ao longo das interpretações de uma e outra obras.

Claro que para acometer obras desta escala, a OG se viu reforçada por três dezenas de instrumentistas convidados, totalizando quase cem instrumentistas. Poder-se-ia pensar que tal acarretaria inevitavelmente problemas ao nível da coordenação e homogeneidade, mas não cremos que resida aí o fulcro do problema. A Orquestra Gulbenkian, num passado próximo, acostumou-se a trabalhar com instrumentistas convidados em larga escala, simplesmente porque o anterior maestro-titular, Lawrence Foster, efetuou no decorrer do seu consulado um progressivo "upgrade" da orquestra em termos de repertório, habituando-a a frequentar as obras que requerem a tal centena de instrumentistas em palco. Quando esse trabalho se torna periódico, regular, isso significa que o confronto com essas obras é também ele periódico e regular. Ora isso já não é assim desde que Paul McCreesh assumiu a titularidade da orquestra (há ano e meio), pois ele declarou publicamente que, com excepções pontuais, iria fazer um "downgrade" do repertório da Orquestra.

Será sobretudo o decréscimo da frequência no confronto com estas obras que explicará, cremos, a "performance" da OG na noite de quinta-feira. De resto, recordávamo-nos ainda bastante bem da impressão bastante forte que nos causara a anterior abordagem da OG à "Nona" de Mahler: fôra em janeiro de 2010, com Bertrand de Billy. E em jeito de à parte, colocamos a questão: quanto Mahler terá a OG feito desde então, e quando? Claro que há sempre noites menos boas, mas houve aspetos demasiado consistentes ao nível interpretativo - e ao longo de uma obra de 85 minutos como o Mahler dá bem para nos apercebermos! - para serem só momentos "menos bons".

Dito isto, como foi o trabalho de Susanna Mälkki, uma maestrina que nos habituou a leituras convincentes e sempre sólidas? Digamos que, em "Tapiola", ela nos pareceu condicionada à partida pela sua percepção da capacidade de resposta da OG às suas intenções, ou, dito de outra forma, às exigências que a obra coloca para se conseguir extrair uma leitura que a revele em plenitude. Em todo o caso, o "tempo" de referência que ela adotou não nos pareceu o mais adequado para a obra, mas também isso pode ter a ver com o que dissemos antes...

No Mahler, retivemos a impressão de um trabalho dela com a Orquestra sobre pontos/passagens específicos da partitura e, do lado da sua conceção interpretativa, esta pareceu-nos solidificada estruturalmente (e isso mesmo transparecendo na tradução sonora) no "Ländler" (2.º andamento) e no "Adagio" final. No "Rondo-Burleske", alternou clarividência com "ausências", e o "Andante" inicial foi levado de início ao fim, só. Mais trabalho específico da Orquestra, dos solistas da Orquestra e de Mälkki com a Orquestra, teria sido preciso.

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