PAIGC critica "explicação simplista" de Embaló sobre tentativa de golpe
A calma regressou às ruas de Bissau um dia após a tentativa de golpe para derrubar o presidente, Umaro Sissoco Embaló, que causou pelo menos seis mortes. O Estado-Maior das Forças Armadas realizou buscas para tentar encontrar os militares envolvidos, com fontes a dizer à agência Lusa que havia "várias pessoas detidas". Não é ainda claro quem foram os responsáveis. Vários partidos políticos guineenses condenaram a "tentativa de subversão da ordem constitucional", mas o maior partido da oposição criticou a "explicação simplista e circunstancial" do presidente e exigiu uma investigação.
O líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos Simões Pereira, expressou numa entrevista à emissora alemã Deutsche Welle o seu "veemente repúdio e condenação de todas as tentativas de subversão da ordem constitucional por vias não democráticas". Contudo criticou a "explicação simplista e circunstancial" do presidente, dizendo querer saber pormenores do que aconteceu e quem foram os responsáveis. Questionado sobre se duvida que tenha havido uma tentativa de golpe, disse que "o assunto é muito grave e exige que haja realmente uma investigação pormenorizada" para "poder responsabilizar as partes".
Domingos Simões Pereira, que está desde 2014 à frente do PAIGC e é de novo candidato à liderança no congresso deste mês, venceu a primeira volta das presidenciais de dezembro de 2019. Mas Embaló foi declarado vencedor da segunda volta, algo que o PAIGC só reconheceu já em 2021, tendo defendido a existência de irregularidades no escrutínio. O atual presidente acabaria por tomar posse "simbolicamente" num hotel de Bissau a 27 de fevereiro de 2020, quando ainda se esperava a decisão do Supremo Tribunal de Justiça às denúncias apresentadas pelo PAIGC, nomeando depois Nuno Nabiam, que tinha sido terceiro nas presidenciais, como primeiro-ministro, afastando Aristides Gomes, do PAIGC.
Na entrevista, Simões Pereira (que já foi primeiro-ministro e secretário executivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa) lembrou que a tentativa de golpe surgiu após uma semana de tensão entre os parceiros de governo. Em causa uma remodelação governamental decidida por Embaló, inicialmente criticada pelo partido do primeiro-ministro até que este veio dizer que estava de acordo com a mudança. Para trás fica também uma polémica com um avião Airbus A340 vindo da Gâmbia que aterrou com a autorização do presidente e que o primeiro-ministro Nuno Gomes Nabiam não deixou depois partir por suspeita de que tinha armas (não se confirmou).
Ontem, os partidos que fazem parte do governo apressaram-se a condenar os acontecimentos da véspera. A Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau de Nabiam, que estava com o presidente no Palácio do Governo quando se deu o ataque durante a reunião de conselho de ministros, condenou o "ato ignóbil" de tentativa de subversão da ordem constitucional. Denunciou um ato "atentatório da integridade das instituições republicanas e que põe em perigo as conquistas democráticas, a paz social, unidade e concórdia nacional".
Também o Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15) de Embaló, segunda maior força política na Assembleia Nacional Popular que também está no governo, condenou o ataque. Considerou-o um "ato bárbaro" que "visa somente pôr em causa, mais uma vez, a ordem constitucional e o Estado de Direito democrático na Guiné-Bissau". O Madem-G15 reiterou ainda em comunicado que "não compactua e nem compactuará com violência" e "repudia com veemência" tentativas de chegar ao poder que não sejam por via democrática e "exige que os atores sejam responsabilizados".
O diretor do Programa de África no think tank londrino Chatham House, Alex Vines, disse ao DN que não é claro se a tentativa de golpe terá algo a ver com a tensão entre presidente e primeiro-ministro, uma vez que o ataque ocorreu quando ambos estavam juntos. E afirmou que este golpe "não foi uma surpresa num país que se especializa em golpes", tendo tido quatro bem sucedidos além de 17 tentativas desde a independência em 1974. Além disso, lembrou, em outubro do ano passado já tinha havido notícias de que tinha sido descoberta um plano para outro golpe.
Numa conferência de imprensa poucas horas após o golpe, o presidente disse que tinha ficado debaixo de tiros durante cinco horas. Falou ainda de "um ato bem preparado e organizado" que "poderá também estar relacionado com gente ligada ao tráfico de droga".
Vines explicou que "o tráfico de droga da América do Sul continua a transitar pela Guiné Bissau" e que "têm havido relatos de que Embaló está sob uma crescente pressão internacional para agir contra esta situação". O presidente recusou contudo extraditar o ex-chefe do Estado Maior das Forças Armadas, o general António Indjai, para os EUA, onde é acusado de narcotráfico e fornecer material a uma organização terrorista estrangeira (as colombianas FARC). Indjai é suspeito também de estar por detrás do golpe de 2012 na Guiné-Bissau.
Quanto a uma relação a esta tentativa de golpe com os outros três em países da região em menos e dois anos, Vines disse que "a Guiné-Bissau tem uma cultura de golpes mais enraizada e é diferente do Mali, da Guiné-Conacri ou do Burkina Faso. O que é verdade é que, nos frágeis estados da África Ocidental, fações de militares têm sido encorajadas nesta década para se tornarem golpistas, tendo visto a tépida resposta internacional e doméstica aos golpes".