Pai e filho, bacalhau e muito Skype na consoada do Kosovo
São o militar mais novo e o mais velho do contingente português no Kosovo e são também pai e filho. O sargento-chefe José Gouveia, de 52 anos, e o soldado Rui Gouveia, de 20, preparam-se para passar o primeiro Natal em missão longe de casa, mas com o "consolo" de estarem juntos. Já compraram presentes e nesta noite vão comer o bacalhau a mais de 3000 quilómetros de Portugal, com os outros 189 militares portugueses do 2.º Batalhão de Infantaria Mecanizado, a família emprestada a fazer as vezes da que está em Portugal e que só vão ver nos ecrãs dos telemóveis e computadores - pelo menos até abril.
Foi com estes militares que o ministro da Defesa almoçou ontem, na véspera da consoada, na primeira visita como governante às Forças Nacionais Destacadas (FND) no estrangeiro. No Kosovo, acompanhado pelo chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o general Pina Monteiro, o ministro elogiou o trabalho "sério e competente" destas forças e lembrou a sua importância para a imagem do país. "Com uma verba que não é muito significativa no orçamento, estes homens e estas mulheres têm feito muito mais do que aquilo que lhes é exigível e é uma questão de honra que um qualquer ministro reconheça isso e agradeça publicamente", disse ontem, depois de um almoço que apesar de rápido ainda deu tempo para a troca de presentes da praxe, fotografias e jogo de matraquilhos (4-2 para a equipa do ministro).
Azeredo Lopes considera que depois de anos de cortes no orçamento da Defesa é preciso dar um sinal de que existe "vontade política de nos aproximarmos dos standards internacionais", com a ressalva de que "o ritmo a que isso pode ser feito" depende "das circunstâncias". Ainda assim, as FND são uma das áreas que considera prioritárias: "Estamos a falar de um orçamento anual de 52 milhões de euros. Se pensarmos que o total desta força [no Kosovo] representa 12 milhões/ano percebemos que estamos a falar de um esforço financeiro que com muito pouco poderia trazer uma vantagem competitiva" no plano internacional - o chamado soft power, "simbólico mas muitas vezes determinante noutros aspetos das relações internacionais".
No campo militar Slim Lines, partilhado com os húngaros, por esta altura nota-se o "poder suave" do Natal, com pinheiros enfeitados e presépios. E tal como para o resto dos portugueses há sempre tempo - que não chega - para ir às compras de Natal depois do "expediente", conta Conceição Monteiro, uma das 12 mulheres do contingente que chegou em outubro. Com 45 anos, 23 de exército, esta não é a primeira missão da sargento-ajudante no estrangeiro, nem sequer o primeiro Natal longe de casa. E apesar de sentir falta dos pais que estão no Cartaxo e do cheiro tradicional da época, aquela coisa que não sabe definir, gosta de passar o Natal com a sua outra família, a militar. "Vai-se aprendendo a lidar com as emoções de estar longe do país, da família, da zona de conforto." Para amenizar as saudades há o bacalhau, azevias, troca de presentes e até um capelão.
Para lá do arame farpado que cerca a base há hoje um Kosovo muito diferente daquele que os primeiros militares portugueses encontraram em 1999, quase deserto e destruído. Hoje a operação da KFOR, que passou de 50 mil para 5 mil militares, está em velocidade de cruzeiro, tem a experiência acumulada de mais de uma década, e o próprio Kosovo é atualmente um Estado reconhecido por mais de uma centena de países. Na missão portuguesa, reflexo dos tempos, passaram de ter apenas um telefone por satélite para o wi-fi no bar, o que permite as muitas chamadas por Skype para a família e amigos. O que não mudou nem vai mudar, provavelmente, é o bacalhau à mesa na noite de Natal.