Paddy Cosgrave: "Usufruam da Web Summit primeiro e só depois tirem as conclusões"

Não houve desconto nos 11 milhões de euros pagos pelo Estado, mas líder da Web Summit está convicto que "experiência online da nova plataforma vai valer a pena" e explica os "extras" dados a Portugal para compensar ausência dos visitantes. FIL em 2022 terá de ter o dobro do espaço (como está no contrato). Cosgrave quer expandir evento até 140 mil pessoas.
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Paddy Cosgrave não tem dúvidas que eventos internacionais como a Web Summit vão-se manter "presenciais, potenciando o contacto cara a cara entre especialistas, empreendedores e empresas" daí que espere que em 2021 a Web Summit volte a ter 70 mil pessoas em Lisboa - acrescentando mais "uns 80 mil em versão online". Este ano o desafio criado pela pandemia também trouxe uma oportunidade.

"Criámos uma plataforma online única e mais do que mostrar conferências com oradores potencia o networking e mostra também o que vale a nossa base tecnológica de software", explica em entrevista o CEO da Web Summit, que começou precisamente há 10 anos, em 2010, para 100 pessoas.

Sobre a polémica mais recente, os 11 milhões de euros previstos no contrato (três milhões da Câmara de Lisboa e oito pelo Ministério da Economia) pagos mesmo com o evento online, Cosgrave admite que quer "fugir à discussão política, que é legítima". "O que peço é que as pessoas usufruam da Web Summit e da plataforma que criámos e só depois tirem conclusões e avaliem o impacto que teve", avisa.

Relativamente a um possível cancelamento ou desconto do valor devido ao evento ser online, indica que não esteve propriamente em cima da mesa, admitindo que o evento deste ano será o mais caro (entre receitas e despesas) para a empresa irlandesa que gere o evento, Connected Intelligence Limited (CIL).

Se fosse cancelado em Lisboa, a Web Summit provavelmente procuraria realizar-se na Ásia, mas isso teria um impacto sério nos seus funcionários e na relação com Portugal. O valor do evento presencial sai bem mais caro ao Estado português do que os 11 milhões, com os vários requisitos de logística, aluguer da FIL, entre outros, a atirarem o custo total para mais de 24 milhões, uma fatura que não existe este ano.

Sem falar concretamente de negociações, Cosgrave admite que por não haver visitantes ao país em 2020, tentaram "dar a Portugal bem mais este ano de outras formas, mais inclusive do que foi dado ao Canadá em julho, que não recebeu tantos bilhetes para os estudantes do país".

O outro evento que pertence à Web Summit, dedicado à América do Norte, o Collision, deveria ter sido em Toronto em julho mas foi online, para 32 mil pessoas. "Foi um sucesso, mostrou que a nossa plataforma mesmo ainda em fase de protótipo funcionava para networking e deixou o Governo e as empresas canadianas satisfeitas", explica.

Agora, diz que a plataforma está melhor, mais refinada, e foram oferecidos 50 mil bilhetes a estudantes portugueses "para expandirem o seu conhecimento e contactarem com novas oportunidades", além de terem criado um canal "só para Portugal apresentar-se ao mundo" e "há bem mais empresas portuguesas com protagonismo, mais políticos (sorri), universidades e instituições do país presentes".

O evento ganha ainda o nome oficial de 'Web Summit Live from Lisbon' (aparece assim por todo o lado), para manter sempre a ligação à cidade-sede e todos os moderadores terminam os painéis a remeter a emissão para Lisboa.

Os bilhetes da Web Summit online estão a custar nesta altura 25% do habitual do que aconteceu em anos anteriores, valendo 219 euros por pessoa, mas mesmo assumindo os valores mais baratos de 100 euros (há, por exemplo, pacotes ou incentivos para mulheres que os podem tornar low cost), o valor estimado dessas 50 mil entradas deverá superar os 5 milhões de euros.

Para mostrar o valor da plataforma criada - dois engenheiros portugueses lideraram as equipas que a construíram desde março -, Paddy Cosgrave diz mesmo que durante o verão houve quem oferecesse 6,5 milhões de euros para a usar e não aceitaram ("um dos motivos foi por não estar totalmente pronta").

E deixa ainda uma explicação sobre o propósito do evento patente na plataforma: "A Web Summit não é e nunca foi só os oradores, nem pessoas num palco, essa é a desculpa para juntarmos pessoas de todo o mundo de várias áreas e potenciarmos o networking entre elas e isso continuamos a fazer online".

Cosgrave não deixa dúvidas em relação à necessidade de duplicar o tamanho da FIL em 2022 "para poder ter presencialmente 100 mil pessoas ou até 140 mil". "É a base principal do contrato que assinámos e não há razões, até agora, para achar que não vai acontecer ", explica, assumindo que quer tornar a Web Summit nos próximos cinco anos ainda mais global, "trazendo ao evento e a Lisboa mais conhecimento e novas oportunidades vindas de outras partes do mundo, como Ásia, África e América do Sul".

Daí que em 2022 também vá passar a haver a Web Summit da América do Sul, no Brasil (a dúvida é se será no Rio de Janeiro ou em Porto Alegre).

"Servirá também para promover o evento principal nessa parte do mundo como já fizemos em Hong Kong ou na América do Norte", revela. Neste momento admite que há discrepância entre, por exemplo, os sete mil alemães que participam ("somos o evento tech que reúne mais líderes de empresas alemãs no mundo") e as centenas de japoneses ou sul americanos, algo que pode ser melhorado.

Sobre o que o país, as pessoas e as empresas podem tirar dessa expansão, o líder da Web Summit garante que "haverá mais oportunidades vindas de outras partes do mundo, além de mais visitantes que ficam mais tempo, gastam mais e irão valorizar bem mais Portugal para negócios e lazer".

Apesar de admitir que entre 100 a 140 mil pessoas em quatro dias de evento é um objetivo ambicioso, Cosgrave acredita que "Lisboa tem capacidade hoteleira e de Airbnb (alojamento local)" para receber sem problemas tanta gente. "O facto do evento ser em novembro ajuda, porque se fosse no verão já seria mais difícil de ter alojamento para tanta gente", admite.

O irlandês de 37 anos lembra ainda, em relação aos 11 milhões de euros, que Espanha oferecia bem mais do que Portugal em 2018: "nem sempre o melhor acordo no papel é o melhor, aceitámos menos dinheiro, entre outros motivos - como a relação com as autoridades, com o país e os portugueses -, porque também havia o compromisso de duplicar a FIL". Sobre a execução do projeto, explica que recintos de feiras já são feitos hoje em dia em tempo recorde e diz não estar preocupado.

Já para 2021, se a pandemia o permitir, Paddy admite que quer expandir o evento, especialmente à noite, para outras partes de Lisboa, incluindo salas de espetáculos. "Quero experimentar ter à noite um formato longo de entrevistas, que podem mesmo ser em salas de espetáculos de Lisboa e será diferente do formato rápido dos palcos da Web Summit".

Normalmente temos uns 12 convidados tão relevantes que enchem bem uma sala de mil lugares mesmo para uma entrevista de uma ou duas horas e, assim, queremos aproveitá-los melhor".

Depois, admite ter pequenos eventos fora de Lisboa antes ou depois da Web Summit admitindo que "também é uma das responsabilidades". "Temos encorajado os visitantes a vir com mais tempo e já costumam passar uma semana, fazem surf ou golfe antes, mas vamos também sugerir irem ao Douro e fazerem outras coisas pelo país".

Sobre a plataforma lançada este ano, Paddy destaca funcionalidades como o Mingle, uma espécie de speed dating onde se pode falar durante três minutos com um dos outros quase 110 mil participantes escolhidos nem sempre ao acaso, "as sessões de perguntas e respostas com os oradores e a facilidade em marcar conversas com quem nos interessa". Essa ferramenta, criada em sessões de brainstorming entre março e abril entre 50 pessoas a trabalhar de forma remota "foi um esforço muito colaborativo, entre pessoas de engenharia, produto e design". "É uma daquelas coisas, há muitas mães e pais de produtos bem sucedidos". Na Collision admite que registaram pessoas que tiveram mais de 500 conversas durante o evento pelo Mingle e ele próprio fez cerca de 50, falando com pessoas assim com pessoas ao acaso durante 3 minutos. "Neste evento acreditamos que haverá pessoas a fazerem mil Mingles".

Nos temas principais em discussão destaca as soluções para o ambiente, os impostos aos gigantes tech - com as taxas que podem trazer receitas relevantes para vários países europeus, incluindo Portugal, à semelhança do que já foi aprovado em França -; as criptomoedas (onde a China prepara-se para desafiar o dólar com a primeira criptomoeda apoiada por um estado); o novo presidente na Casa Branca; mas também temas mais urgentes como a saúde e pandemia (onde não faltam os maiores especialistas e o diretor da OMS).

Certo é que: "quem for ao evento online este ano vai perceber mais do que nunca a vantagem do nosso software que começámos a desenvolver há 10 anos". Nesse sentido, a plataforma online agora criada deverá mesmo ser disponibilizada gratuitamente às maiores conferências internacionais em 2021 que "vão sempre querer manter-se presenciais", "mas no início do ano podem ter problemas em ter uma versão do evento no mundo real e isto pode ajudar".

O responsável admite que decidiram não cobrar de forma estratégica "com o objetivo de construir relações duradouras com a esperança que em 2022 ou 2023 possamos persuadir alguns dos maiores eventos do mundo a usar o software que construímos desde há uma década para gerir vários aspetos dos eventos, desde a parte logística até às recomendações para melhorar a experiência dos utilizadores".

Cosgrave admite mesmo que sempre foi uma das suas ambições desde o início do evento, há 10 anos: o de licenciar o software de gestão de eventos para outros e "será sempre algo familiar para quem participou recentemente na Web Summit".

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