Paddy Cosgrave: "O dinheiro nunca foi a principal preocupação"

Lisboa vai acolher durante a próxima década um dos maiores eventos de empreendedorismo do mundo. A Web Summit pode trazer 100 mil pessoas.
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Dez anos. 110 milhões de euros. Lisboa vai acolher a Web Summit, uma cimeira de empreendedorismo e tecnologia, até 2028. Para isso, as autoridades nacionais vão desembolsar por ano 11 milhões de euros a partir de 2019. O contrato assinado nos últimos dias entre a organização de Paddy Cosgrave, o governo e a autarquia lisboeta inclui uma cláusula indemnizatória no valor de 340 milhões de euros por ano - valor estimado de retorno para economia nacional - (3,4 mil milhões de euros a dez anos) caso o congresso deixe a capital portuguesa durante o período de vigência do acordo. O processo para que a capital portuguesa conseguisse ficar com este evento anual poderá ser comparado a uma maratona.

Ao longo dos últimos meses, houve uma imagem que se foi tornando clara: na Europa eram várias as cidades que se estavam a posicionar para receber a cimeira. A Web Summit admitiu em maio que estava a negociar com várias, incluindo Lisboa. Do governo português chegou a garantia de que estava empenhado em manter o evento e que acreditava que a candidatura a ser apresentada era "forte, assente na capacidade de organização comprovada nas duas últimas edições". Depois destas palavras pouco mais se soube até ao dia 3 de outubro, dia do anúncio oficial.

Ficou agora claro que o processo negocial não foi fácil e que a decisão não foi tomada há muito. Paddy Cosgrave contou, durante a conferência de imprensa, que Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, lhe ligou há cerca de um mês, a uma hora tardia, para o persuadir a ficar na cidade. Não terá sido o único a tentar persuadir o fundador do evento.

Apesar de a concorrência ser forte, tendo havido regiões que acenaram com cheques mais chorudos que Portugal - como admitiu o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, nos últimos dias -, este não era o fator com mais peso na balança. O bom relacionamento cimentado ao longo destes três anos em que o evento tem estado na capital portuguesa, associado ao compromisso da cidade em criar mais espaços de exposição, foram essenciais para ditar este desfecho.

Desde que chegou a Portugal, em 2016, o evento tem crescido no número de participantes: 50 mil em 2016, 60 mil em 2017 e a expectativa da organização é atingir os 70 mil este ano. Mas a Web Summit não quer ficar por aqui, aspirando a chegar aos 100 mil num futuro não muito distante. Paddy Cosgrave, em entrevista ao Dinheiro Vivo, não esconde que gosta de Lisboa e assume que a equipa em Portugal vai crescer.

No ano passado disse que Lisboa e a Web Summit tinham um casamento perfeito. Este casamento vai durar mais dez anos. Porquê prolongar o relacionamento?

Lisboa é um sítio mágico. Portugal está a atravessar um momento único. Isso é óbvio para todos que estiveram aqui em alguma altura, mesmo que tenha sido apenas por um dia, durante os últimos três anos em que também estivemos aqui. Portugal deixou de ser quase uma criança esquecida da Europa. Estava na periferia e fez coisas ousadas, como a Irlanda. Agora, o Financial Times, o Wall Street Journal ou Condé Nast Traveler falam de Portugal. É o momento de Portugal e tenho esperança que continue assim no futuro. É ótimo para as gerações mais novas. Tantos portugueses deixaram o país há uns cinco anos e pensavam que nunca voltariam. Pais disseram adeus, pensando que os filhos só voltariam nas férias. É maravilhoso o facto de alguns poderem voltar e terem ótimos empregos, trabalhando para empresas portuguesas incríveis como a Farfetch [empresa luso-britânica que tem uma plataforma de venda de artigos de moda de luxo]. Ninguém imaginava isso há uns cinco anos. É bom e espero que continue, embora nem todas estas coisas durem para sempre.

Várias cidades queriam ficar com a Web Summit a partir do próximo ano. Lisboa foi a escolhida. Sabemos que em termos financeiros não era quem dava mais dinheiro. Porque é que decidiram ficar?

Para nós, o fator mais limitador era o espaço. Tenho a certeza que nos próximos meses o presidente da Câmara de Lisboa vai revelar alguns dos planos ao público. Vi alguns e são fantásticos. Esse foi um grande ingrediente.

O dinheiro não era a principal preocupação?

Não, nunca foi.

Há quatro semanas, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, ligou-lhe para persuadir-vos a ficar. O que é que realmente vos fez ficar?

atualmente o presidente da Câmara de Lisboa, mas acho que [Fernando Medina] é realmente bom. Entendo um pouco de português e ao ouvi-lo discursar, percebo que é muito bom no que faz. Encontrei-me com a maioria dos primeiros-ministros e presidentes dos principais países europeus e foi maravilhoso. Respeito-os profundamente e agradeço o tempo que me dispensaram. Mas houve muitas pessoas - não apenas o presidente da Câmara - que foram muito persuasivas.

Os outros países não foram?

Eu conheço-os [aos portugueses]. É muito diferente quando não os conheço embora, potencialmente, possa vir a ter uma relação com eles. Mas quando conheço alguém profundamente, durante três anos, e sempre foram criativos, ótimos ouvintes, nos deram muito apoio e acreditaram naquilo que estávamos a fazer, isso importa.

Foi uma decisão racional ou emocional ficar em Lisboa?

Depende com quem falarem na minha equipa (risos).

Para a Web Summit o que é que vai mudar? Vão ter mais pessoas cá todo o ano? Sim. Eu passo já algum tempo aqui mas estamos ansiosos por encontrar novos escritórios algures em Lisboa.

No Hub do Beato? É possível.

Disseram que iam para lá há dois anos.

Sim, mas não está pronto ainda enquanto espaço. Acho que, se há dois anos estivesse pronto, teríamos ido para lá. Certamente, continuamos a considerar o Beato mas agora as nossas necessidades vão ser bem maiores.

Vão ter cá mais de 100 pessoas?

Vai ser muita gente. Pode ser esse número; pode ser mais ou ligeiramente menos. Será uma presença considerável em Lisboa.

O que é que a Web Summit vai dar à cidade a longo prazo?

Espero que a Web Summit dê às gerações mais novas a confiança de que podem construir aqui uma empresa, com ADN português; que podem ter uma ótima carreira a trabalhar para uma empresa estrangeira ou portuguesa aqui. Se conseguirmos encorajar isso, acho que isso vai ser mais poderoso do que qualquer outra coisa.

Como é que o evento vai evoluir ao longo destes dez anos?

Somos um espelho da inovação. Qualquer que seja a direção que o mundo está a tomar, nós vamos nessa direção. Os temas principais no palco há três anos não são necessariamente os temas principais no palco hoje. No ano passado, estivemos muito focados nos veículos autónomos. Não acho que o tema tenha evoluído muito no último ano. Por isso, este ano, não vamos estar tão focados em veículos autónomos. Por exemplo, Davos existe há quase 50 anos. Acho que o Web Summit está para ficar.

Qual vai ser exatamente o seu papel na expansão do espaço de exposição que vai ocorrer em Lisboa?

A expansão do espaço é uma oportunidade para Portugal. Se olharmos para cidades bem mais pequenas do que Lisboa, espalhadas por toda a Europa, elas têm espaços para exposição três, quatro vezes maiores do que a capital portuguesa. Lisboa é das maiores cidades da Europa com espaços mais pequenos. Há motivos para isso. Não há que culpar ninguém; há motivos históricos para isso e tenho a certeza que se [a crise de] 2008 não tivesse acontecido, teria existido uma remodelação. O aeroporto em Valência [cidade que também apresentou uma candidatura para receber o evento a partir do próximo ano] tem um quinto da capacidade do de Lisboa mas tem um centro de congressos quatro vezes maior. Bilbau [que também queria receber o evento] tem também um espaço de congressos quatro vezes maior do que o que existe em Lisboa. Acho que isto [Web Summit ficar em Lisboa mais dez anos ] é uma ótima oportunidade para a cidade e para o país receber outros eventos e não apenas a Web Summit.

O presidente da Câmara disse que o Paddy ia acompanhar este desenvolvimento de uma forma muito próxima. O que é que vai fazer?

As questões específicas da remodelação estão nas mãos da Câmara.

Vai ser uma espécie de consultor?

De certa forma. Mas as nossas necessidades são realmente bastante simples. É apenas espaço.

Sobre a edição deste ano. O que é que podemos esperar?

Quem veio ao Web Summit sabe que há muito a acontecer, não é apenas um palco. É complicado. Mas temos uma equipa fantástica a concretizá-lo. Estamos focados nisso. Uma das coisas em que estou interessado é - e está nos bastidores, as pessoas não conseguem ver e nós não falamos sobre isso - irmos no sentido de termos plástico zero, assegurar que quase tudo é reciclável. Não podemos esquecer que 58 mil pessoas vão voar para Lisboa - ainda que em dias diferentes. O nosso compromisso para com o ambiente está a aumentar.

Que surpresas podemos esperar para este ano? Há algo que possa avançar?

Há ainda alguns políticos para anunciar, em breve - nas duas próximas semanas - há ainda ótimas pessoas que construíram empresas que vamos anunciar em breve. Acho que ainda não anunciamos um dos meus realizadores preferidos de Hollywood. A Web Summit está a evoluir em termos de conteúdo, não é apenas sobre o que estas incríveis empresas tecnológicas fazem, é também sobre o impacto que estão a ter na sociedade, porque algum é bom outro é mau. Temos a obrigação de falar sobre isso, no palco principal, não devemos afastar-nos de conversas difíceis, mesmo que sejam difíceis para grandes empresas.

Os políticos têm mais importância no evento. Querem ser uma espécie de Davos?

A Web Summit vai ser sempre Web Summit. Tenho um filho de dois anos e consigo ver a forma como ele consegue ficar viciado a olhar para um ecrã. Quando vou a um restaurante e vejo rapazes de oito anos que estão um bocadinho aborrecidos e os pais dão-lhes os telefones, e eles ficam sossegados durante duas horas, e depois leio sobre as consequências negativas para as crianças de estarem demasiado tempo a olharem para os ecrãs, e tenho a consciência que é assustador. O que é que vamos fazer em relação a isso?! As novas tecnologias são muito poderosas e acho que temos de debater isso.

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