No contrato que estabelecemos, quando entramos no mundo pela primeira vez, há um pequeno período de carência no qual a vida nos faz crer que tudo é de fácil obtenção e que a mesma é uma sucessão de pequenos prazeres que nos são facilitados por indivíduos cuja única função é a de providenciar e supervisionar o nosso bem-estar. Vimos depois a perceber que fomos induzidos em erro quando nos são apresentados os termos do contrato. Daí em diante, o que quer que seja que pretendermos obter da vida será nosso, mediante grande esforço individual. Não querendo desistir do contrato, cujas cláusulas de rescisão implicam o término da nossa existência, resta-nos aceitar os seus termos e condições. Desde logo percebemos que em relação aos termos e condições, tudo é relativo.
A família, a comunidade, a beleza, a inteligência com que nascemos, tudo é variável. A igualdade de circunstâncias não é um dos fortes da vida. A constância também não, pelo que não vale sequer a pena invocar a imprevisibilidade da vida para tentar alterar as suas regras. Depois, para entender todas as minudências do contrato, é preciso ter queda para a Filosofia, ou conhecer alguns bons filósofos que nos ajudem a compreendê-lo. Caso acreditemos que o contratante é Deus, teremos também de procurar na religião as respostas à nossas questões vitais. Os anos de estudo que se gastam na aprendizagem do que é a vida duram a vida toda e não apresentam garantias de sucesso no final. Pode-se perfeitamente morrer sem se saber para que se esteve vivo. Há, no entanto, um código deontológico a seguir, que nos permite viver em relativa paz connosco e com o próximo. O código é-nos apresentado com transparência e sem lugar a dúvidas: tudo aquilo que perturbe o natural discorrimento da vida é um atentado à própria vida e às suas condições e deverá ser evitado.
Matar, roubar, enganar, são quebras claras de contrato. O que não está contido no negativo constitui-se, por exclusão de partes, como o positivo da vida. A boa notícia é que, vendo bem, parece, à primeira leitura, que haverá mais coisas positivas do que negativas a concretizar neste mundo. A má notícia é que, não contentes com a complexidade de estarmos vivos, complicamos ainda mais. Por dificuldade de entendimento imediato do que é a vida, resolvemos negá-la em absoluto, construindo uma sociedade cheia de espartilhos. Inventamos uma série de regras que nos mantêm sob controlo e uma série de actividades que não servem para muito mais do que nos manter entretidos e evitar que estudemos a fundo o que é afinal isto de se estar vivo.
Os termos em que a vida quer que vivamos são difíceis de cumprir, é certo. A liberdade é um conceito tão belo quanto difícil de gerir, implicando, acima de tudo, responsabilidade pelos actos cometidos. A criatividade, que é, ao mesmo tempo, vocação e obrigação humana, implica esforço, tempo e dedicação. Por preguiça, ou porque não temos tempo a perder com perdas de tempo, pomo-nos a construir uma sociedade que substitui tais coisas por outras, de mais fácil e imediata obtenção. O problema é que o retorno que nos dão não se compara ao retorno que temos à medida que vamos descobrindo os pequenos segredos que a vida nos vai revelando. Um dos mais interessantes é que, malgrado o que nos querem fazer acreditar, os melhores prazeres desta vida não necessitam de cartão de crédito. Um dos mais importantes é que, se bem lido, entendido e respeitado, o contrato rapidamente se transforma em pacto e passamos a ter na vida a nossa maior parceira e nos seus termos e condições os nossos maiores aliados.
* Os pactos devem ser respeitados