Over and out?

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Acordar de madrugada com uma notificação no telemóvel vinda da BBC: "In stunning decision, britain votes to leave the EU". Levantar, correr, atender o telemóvel. Seguir para a TSF, preparar três horas e meia de emissão especial, sempre em direto. A notícia não tem hora certa, mas esta mudou muito mais do que uma manhã da rádio: desuniu o Reino Unido, lançou-o numa jangada de pedra, deu gás aos populismos internos, obrigou os bancos centrais a injetar (mais) milhares de milhões nos bancos, pôs as economias em standby. Over and out?

Será cedo para responder à pergunta - mas é incrível olhar para os detalhes do dia de ontem. Começando pelo Reino Unido, onde 75% dos eleitores com menos de 24 anos votaram pela permanência - e onde os mais velhos quiseram o divórcio. Assim mesmo, partidos ao meio, e também quando olhamos para o voto por território: Inglaterra e Gales pela saída, Escócia e Irlanda pela Europa. Esta divisão pode trazer mais uma: um novo referendo pela independência da Escócia - que até já recebeu um piscar de olho do SPD alemão. E uma ameaça de saída da Irlanda do Norte, com pedidos de uma outra união fora do Reino, a Irlanda Unida. Juntem a isto a proposta de ontem vinda de Espanha para dividir a soberania de Gibraltar. E metam nisso ainda as eleições espanholas deste domingo (que influência terá tudo isto aqui ao lado?). E imaginem o potencial de loucura que tudo isto pode dar.

As divisões apareceram logo, também, fora do Reino. Num ápice, as oposições na Dinamarca, Holanda, Itália e França (Oui, c"est Marine) clamaram contra Bruxelas e exigiram referendos. Cuidado: não é a extrema-direita. É essa, sim, mais a de esquerda. Muito populismo, muito oportunismo. Os chefes de governo, esses, parecem não ter tido tempo (desde as eleições britânicas, quando Cameron venceu prometendo este referendo) para preparar uma reação: Merkel chama os embaixadores dos fundadores (repito, dos fundadores); Juncker sai de uma conferência de imprensa quando lhe perguntam se isto é o princípio do fim da Europa. E ainda há os chefes de governo que vão dizendo que é preciso mudar a Europa do euro, como se o Reino Unido tivesse aderido ao euro.

Os líderes europeus fizeram pior do que isto - pareceram bastante mais empenhados em manter a Grécia, há um ano, do que agora para convencer o Reino Unido a ficar cá dentro. Não houve campanha europeia a apelar à União, nem uma leve tentativa de desfazer o nó da campanha britânica pelo leave, que fez da imigração tema central. E o Reino Unido respondeu... dividido: over & out. Mesmo?

Cameron demitiu-se - e fez bem. Não por ter a pior derrota da história dos primeiros-ministros britânicos, depois do não a Churchill no fim da Segunda Guerra. Não por não ter conseguido manter os conservadores unidos numa campanha fratricida. Mas porque um primeiro-ministro não pode ter a mesma convicção dentro ou fora da União Europeia. São dois países diferentes, são dois caminhos opostos, exigem dois chefes de governo diferentes. Cameron demitiu-se, sim, e não quer ser ele a acionar a cláusula de saída. Isso terá de ser o próximo chefe de governo. E isso exige uma nova campanha interna entre os conservadores. Se não mesmo uma campanha eleitoral e outra eleição (aguentará o Parlamento de pé nestas condições?)

Até lá, tudo indica que vamos ter pior do que vimos ontem, o dia 1 da nova Europa. Os líderes europeus vão preparar a chave de saída - e sem mostrar um sorriso à passagem da porta. O banco central inglês continuará a pôr dinheiro na banca (ontem anunciou dois PIB portugueses de uma só vez). As bolsas, já pouco afoitas a entusiasmos, vão perder mais. Os mais velhos de parte do Reino Unido quiseram saber como era viver na Grécia - mas com moeda própria e com muito maior capacidade económica. O Reino Unido não é a Grécia nem Portugal. E pode até consegui-lo. Mas vai doer, isso vai. E a meio virão as eleições por lá - num partido, nos partidos, ou gerais, como faria sentido.

Quem concorre? Quem ganha? Os conservadores vão escolher quem - um pró-europeu ou um anti? O Labour aguenta Corbyn? Boris e Farage vão dividir votos ou juntar-se num projeto comum, de transição? Já agora: e a nação dividida votaria como?

Mais uma pergunta: e se um dos candidatos fizer campanha defendendo a permanência? Que eleição vale mais? Over & out? Será?

Se nos lembrarmos das dezenas de referendos que já se fizeram pela Europa sobre a própria Europa, 12 deles resultaram num "não" ao projeto comum. Houve casos de países que não entraram, mas nenhum que tenha realmente saído (lembram-se da Irlanda, da França, da Grécia?).

Bem sei que nem tudo na Europa é bom. Bem sei que havia argumentos neste referendo que se sentiam como um murro no estômago. Mas a mim, europeu, pensando num bem comum, só me apetece lembrar uma música antiga dos Communards: Don"t Leave Me This Way. Over & out? Please don"t.

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