Ouviu-se finalmente a obra que junta Mozart e Salieri

Cantata, assinada pelos dois compositores do século XIX, foi apresentada ao público em Praga.
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por Mozart e Salieri (e ainda por um terceiro músico, Cornetti), em 1785, andou mais de 200 anos desaparecida mas agora que foi encontrada já mereceu os aplausos: a primeira interpretação pública aconteceu na passada terça-feira, em Praga.

A cantata Per la Ricuperata Salute di Ofelia ("Pela Saúde Recuperada de Ofélia") tem quatro minutos e foi composta para celebrar a recuperação da célebre soprano britânica Nancy Storace (1765--1817), que tinha perdido a voz e estado uns tempos afastada dos palcos de Viena. A letra, por sua vez, é de autoria do poeta vienense Lorenzo Da Ponte, que trabalhou várias vezes quer com Salieri quer com Mozart.

"A parte composta por Mozart é, podemos dizê-lo, mais engenhosa e dramática, enquanto as outras duas partes são mais líricas", explicou o músico Lukas Vendi, que interpretou a peça num cravo. "Mas é impossível dizer, só com base nesta obra, qual era o melhor compositor", concluiu o especialista, sem querer levantar polémicas.

A cantata foi encontrada no arquivos do Museu da Música na República Checa em novembro do ano passado. A partitura tinha sido adquirida pelo museu inserida numa coleção nos anos de 1950, mas os seus autores estavam identificados num código que só recentemente foi decifrado.

Foi Timo Jouko Herrmann, musicólogo e compositor alemão, que reconheceu o nome da peça quando estava a fazer pesquisas no catálogo online do museu. "Conhecíamos o título dos anúncios da época", explicou. "Fiquei entusiasmadíssimo." Na sua opinião, este trabalho é "uma peça-chave para uma nova compreensão da relação entre Mozart e Salieri". Herrmann considera que, em vez de rivais, como sempre se pensou, os dois músicos "eram colegas e trabalhavam juntos".

O músico austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) e o italiano Antonio Salieri (1750-1825) encontraram-se em Viena, onde Salieri era o compositor preferido do imperador Joseph II, e Mozart lutava pela sua atenção. Nesse sentido, eram rivais. No entanto, os rumores de que Salieri teria sido o responsável pela morte por envenenamento de Mozart há muito que foram desmentidos, embora ainda persistam na cultura popular devido, por exemplo, ao drama de Alexander Pushkin, Mozart e Salieri, escrito no século XIX, ou, mais recentemente, ao filme Amadeus, realizado por Milos Forman.

"Todos conhecemos o retrato que foi pintado pelo filme. Mas é falso", comentou à BBC Ulrich Leisinger, do Instituto Mozart de Salzburgo. "Salieri não envenenou Mozart. Eles trabalharam ambos em Viena e ter-se-ão encontrado muitas vezes." No entanto, esta é, segundo se sabe, a única peça assinada em conjunto, embora não se conheçam pormenores sobre o modo como foi feita. "A primeira parte é de Salieri e foi escrita num tom pastoral", explicou o especialista. "A segunda parte é de Mozart. Tem um ritmo mais de uma marcha, o início faz-me lembrar um pouco [ a ópera de Mozart] O Rapto do Serralho. E a terceira parte é de Cornetti e é mais próxima da parte de Salieri." Haverá mais surpresas escondidas no Museu de Praga? "Nunca se sabe. Numa casa, como esta, que é um tesouro, tudo pode acontecer", disse Herrmann.

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