Ouvir Beethoven entre os músicos da orquestra

A Orquestra Metropolitana de Lisboa convida o seu público a sentar-se nos seus lugares nalguns domingos ao longo da temporada
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À entrada da sala de espetáculos do Teatro Thalia, em Lisboa, um homem dizia aos que ali entravam: "Só não pode ocupar o lugar do maestro."A advertência era dirigida ao público que, ao contrário do que é habitual, tinha a Orquestra Metropolitana de Lisboa (OML) já sentada e à sua espera. As cadeiras que lhes eram destinadas não estavam dispostas defronte aos músicos, mas entre eles.

Tudo se reduzia a uma questão de escolha: se se preferia ficar entre os violinistas, os violoncelistas, ou noutros lugares, como os três que o maestro Pedro Amaral tinha à sua frente. Sim, à sua frente. Ao contrário do que sempre acontece, o público não veria as costas do maestro. Seria de frente que as 75 pessoas que ontem escutaram a Sétima Sinfonia de Beethoven veriam Amaral. E é ele o responsável por tal ocasião, pois foi sua a ideia de introduzir no ano passado o Venha ouvir uma orquestra por dentro! , que acontece na manhã seguinte aos concertos da OML.

"Lembro-me do primeiro espetáculo destes que fizemos, em que estava um jovem casal, e eles estavam entre os sopros e as cordas. Disseram-me no fim que sempre que começavam a tocar as flautas atrás deles eles agarravam-se com uma emotividade de quem está a ter um sentimento extremamente forte", recordava o maestro ao DN, explicando a importância de circunstâncias como estas para "a relação entre a orquestra e o público".

Na noite anterior, a orquestra tocara a Quinta e a Sétima sinfonias de Beethoven (entre quinta-feira e domingo tocam todas no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra). Naquela manhã, perante um público maioritariamente de terceira idade, da Associação Artística e Cultural Salatina, que se deslocara de Coimbra de propósito, Pedro Amaral explicava por que diz que a Sétima Sinfonia é a "antítese" da terceira, e por que esta "dança não dançável" foi referida por Wagner como "a apoteose da dança". Haveria de demonstrar ao público pequenas passagens, pedindo, por exemplo, aos sopros que tocassem "o motivo inicial em Mi". E depois viria Beethoven inteiro.

As cabeças do público seguiam atentamente os músicos, e paravam por vezes ao estremecimento do maestro. Fernando Ventura, sentado entre os violinos e os sopros, ia tomando notas, debruçando-se por vezes para espreitar a partitura dos músicos à sua frente. "Estava a tirar as notas dos andamentos para me localizar na partitura, que não conheço. A única que conheço do Beethoven é o Hino da Alegria [da Nona Sinfonia], que ando a aprender a tocar ao piano. Já sei a melodia de cor e salteado." Vindo de Coimbra, Ventura conta que nunca tinha estado tão próximo dos músicos.

No final do concerto, uns estavam em pé porque estavam a ser aplaudidos e outros estavam em pé porque estavam a aplaudir os primeiros: orquestra e público pareciam ainda mais mesclados. Marta Vieira já tinha poisado violino quando conversava com um senhor que elogiava a sua prestação e lhe entregava num papelinho. "Eu achei que estava a tomar umas notas [no concerto], mas não, estava a escrever um poema para mim, chama-se O Artista", diz a açoriana que agora reforça a orquestra.

O maestro tinha a pequena Sofia à espera para um autógrafo. Pouco depois, contaria: "No momento em que começamos a tocar nós abstraímos de tudo, eu não olho para as pessoas, olho para os músicos, e os músicos olham para a partitura e para o maestro."

Pode ouvir a orquestra por dentro nesta temporada até à manhã de 28 de maio.

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