Ouro verde
Na bancada há cremes com cheiro de ananás, sérum para os olhos em embalagens coloridas, óleos de massagem, máscaras de argila, chás e pequenos estojos muito femininos para guardar a canábis. É o que distingue estes produtos de quaisquer outros: têm canábis. Duas senhoras, já avós, fazem perguntas e dão risadinhas uma para a outra, deslumbradas com este mundo novo. Estamos numa exposição de negócios da canábis, em Los Angeles, e há produtos com erva por todo o lado. Aqui, canábis é sinónimo de inovação, medicina - e muito dinheiro. A partir de janeiro de 2018, passa a ser legal o consumo recreativo de marijuana, o que tornará a Califórnia no maior mercado do mundo.
"O futuro da indústria da canábis será determinado no próximo ano", disse no evento o reverendo Al Sharpton, um dos maiores defensores da legalização total da canábis. Não apenas porque entra em vigor o consumo recreativo na Califórnia, mas também por causa das eleições intercalares que poderão retirar algum poder aos Republicanos e dá-lo aos Democratas, cuja agenda relativa à marijuana é a oposta da administração Trump. O procurador-geral Jeff Sessions quer pôr o génio de volta na lâmpada e reverter o caminho de legalização que está a tomar os Estados Unidos de rajada. Boa sorte nisso: mais de metade dos 50 estados já legalizou a canábis medicinal e quase uma dezena aceita também o consumo recreativo.
O estigma está a desfazer-se por entre as folhas dos estudos que mostram os benefícios do consumo desta planta medicinal. Cremes espalhados nas costas para aliviar dores, gotas de absorção rápida para pôr debaixo da língua, unguentos e tinturas, gomas e chocolates, até águas e batidos em pó. Foi disto que se viu na expo em Los Angeles, que atraiu mais de quatro mil pessoas - muitas delas neófitas na indústria, leigas e sedentas de conhecimento. Talvez nunca tenham, como eu, tocado em marijuana. Mas esta corrida ao ouro verde na Califórnia tornou-se impossível de ignorar.
Muitas das soluções que já estão no mercado são baseadas em cânhamo, rico em CBD (canabidiol, com propriedades terapêuticas) e traços insignificantes de THC (tetrahidrocanabinol, responsável pelo efeito psicotrópico). A espécie de planta que dá ori- gem a ambos (cânhamo e canábis/ /marijuana) é a Cannabis sativa, mas só o cânhamo industrial, com menos de 0,3% de THC, pode ser cultivado e comercializado sem problemas.
Esta planta, que foi diabolizada durante décadas e tem inúmeras estirpes e composições, é abrangida por todo um espetro de proibições e autorizações, apesar dos seus poderes terapêuticos, capazes de substituir medicação farmacêutica. Está na hora de acabar com esta guerra infrutífera, que tanta gente enviou para a cadeia e tantas vezes negou um medicamento poderoso a quem precisava dele.
"Há 85 milhões de pessoas com problemas de pele severos, como acne e psoríase, que causam tremendos danos. Muitas destas doenças advêm de disfunções do nosso sistema endocanabinóide", explicava o médico Philip Blair a uma audiência fascinada. Blair referiu que o CBD da canábis tem a composição química mais semelhante à produção de canabinóides naturais no corpo humano. Temos recetores endocanabinóides que podem ser estimulados pela aplicação/consumo da planta. "As ações do CBD vão da neurorregulação à modulação imunitária, hormonal, regulação da forme, sexo e stress oxidante", resumiu. "Restaura o sistema endocanabinóide e pode levar à homeostasia, isto é, à saúde ótima."
Os estudos clínicos são curtos porque só recentemente começaram a ser autorizados. Mas o que está em causa agora já não é se a canábis faz bem à saúde; é como mudar uma mentalidade que associa o consumo a hippies de tranças no cabelo com um charro no canto da boca.
É o que está a tentar fazer em Portugal a Cannativa, uma associação constituída há alguns meses para promover estudos científicos, fornecer apoio e informação no sentido da legalização. "Há quase vinte anos, Portugal influenciou todo o panorama da política de drogas com a lei da descriminalização, que se mostrou eficaz no flagelo da toxicodependência", diz-me a Cannativa. A associação está a trabalhar com o Bloco de Esquerda em dois novos projetos de lei para apresentar até final do ano.
"Acreditamos que o enorme potencial terapêutico da canábis, aliado aos ótimos resultados económicos e sociais que se têm verificado a nível mundial, têm feito eco na Europa, e vários países europeus já legalizaram a canábis para fins medicinais." Portugal só precisa de empurrão. Não faz sentido que a mesma sociedade que proíbe a canábis permita o consumo de álcool e de calmantes, relaxantes, antidepressivos e outras substâncias altamente viciantes e com menores evidências terapêuticas.