Ouro do Banco de Portugal atinge valor recorde, mas não impede quebra de lucros

Menos lucros significam menos dividendos para o Estado e menos impostos a pagar. E com um senão: a era de resultados líquidos positivos, que durou muitos anos fica interrompida por tempo indeterminado.
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O valor do ouro detido pelo Banco de Portugal (BdP) atingiu um máximo histórico de 21 mil milhões de euros em 2022, tendo valorizado 6%, "um acréscimo de 1189 milhões de euros face a 2021".

Mas este ganho significativo com a reserva gigante que pesa 382,6 toneladas em metal precioso e é uma rubrica do ativo do banco central nacional, não impediu um volte-face na dinâmica dos lucros (resultados líquidos), que afundaram 42% no ano passado, revelou o BdP no relatório anual do conselho de administração relativo a 2022, ontem divulgado (quarta-feira, 17 de maio).

Menos lucros significam menos dividendos para o Estado e menos imposto a pagar. E com um senão: de acordo com o governador Mário Centeno, a era de resultados líquidos muito amplos e positivos terá terminado. Para o ano, o BdP deve registar prejuízos que poderá colmatar com as suas provisões abundantes. Ao acionista Estado entregará zero dividendos e impostos, claro. E assim será durante muitos anos, em princípio.

A subida abrupta das taxas de juro da zona euro faz com que o banco central tenha de pagar mais aos bancos comerciais pelos fundos que estes depositam no balanço do BdP para acederem ao sistema monetário da zona euro. Só aqui perdeu quase 26 mil milhões de euros face a 2021.

E há ainda o efeito da desvalorização das obrigações do tesouro (o valor desce quando a taxa de juro sobe) que o BdP ainda detém no balanço. Esta nova perda foi avaliada, igualmente, em 26 mil milhões de euros ao longo do ano passado, segundo o Banco.

O Banco de Portugal ainda guarda um valor impressionante de dívida pública portuguesa porque continuava a reinvestir esses títulos, não os vendeu (os que chegaram à maturidade) no mercado secundário.

No final de 2022, o BdP tinha na sua posse 55 mil milhões em ativos (a esmagadora maioria dívida pública) ao abrigo do programa APP (lançado em 2014 para tentar curar definitivamente a crise da zona euro).

Mais 29 mil milhões de euros em dívida pública comprada sob o chapéu do PEPP, o programa de dinheiro ultra barato lançado na pandemia, no começo de 2020.

Os dois efeitos juntos formam a principal razão apontada pela instituição de Mário Centeno para a quebra dos resultados. Num quadro destes, a valorização substancial do ouro (1,2 mil milhões de euros) é como uma gota de água.

Estado ganha muito menos

Como referido, os dividendos que o banco entregou agora ao Estado por conta do exercício do ano passado caíram para quase metade e o respetivo imposto também. Daqui em diante, com a subida das taxas de juro da zona euro, o Banco de Portugal estima que irá entrar em território de resultados negativos.

O banco central não existe para ter lucros, mas se tiver prejuízos precisa de estar protegido com provisões de modo a prosseguir normalmente nas suas funções de supervisão e de política monetária.

É o que está a acontecer: as provisões aumentaram de forma relevante em 2022, ascendendo agora a quase quatro mil milhões de euros, diz o Banco, uma reserva que dará para cobrir, com folga, eventuais prejuízos que venham a acontecer durante anos. Não disse quantos.

De acordo com o relatório anual de 2022, "o resultado líquido do banco totalizou 297 milhões de euros" (referente ao apuramento de 2022), valor que compara com o lucro de 508 milhões de euros anunciados em 2021.

Esta quebra superior a 41% no resultado refletiu-se nos dividendos entregues ao acionista Estado, que afundaram de 406 milhões de euros em 2021 (por conta do exercício de 2020) para 238 milhões em 2022 (por conta do exercício de 2021), ou seja, menos 41%.

O mesmo sucedeu com o imposto devido que decorre destes resultados. Caiu de 233 milhões para 133 milhões de euros.

Assim, "considerando o imposto sobre o rendimento corrente, foram entregues ao Estado 371 milhões de euros" (por conta dos resultados do ano passado), menos 42% do que há um ano, quando chegou a 639 milhões de euros.

O fim de uma era de lucros

Mário Centeno disse que doravante "os resultados não vão ter o mesmo sinal de 2022". "O banco vai entrar numa fase de resultados negativos cuja dimensão depende de decisões que ainda estão a ser tomadas", referiu.

Recorde-se que, de 2010 a 2022, BdP entregou cerca de 4,4 mil milhões de euros em dividendos, incluindo os 238 milhões relativos ao lucro que ainda obteve no ano passado.

Nestes 13 anos em análise, pagou ainda 2,3 mil milhões em imposto corrente. No total, deu ao Estado 6,7 mil milhões de euros.

Este novo fenómeno de interrupção nos lucros não é exclusivo do BdP. Outros bancos centrais da zona euro vão começar a dar prejuízo (isso aliás até já está a acontecer com o próprio Banco Central Europeu ou o Bundesbank, o banco central alemão, o maior da área do euro).

"Nem foi grande mérito do Banco de Portugal os resultados anteriores terem sido o que foram, nem agora é grande demérito os resultados serem o que são", atirou Centeno.

Basicamente, a subida das taxas de juro da zona euro fez aumentar os juros que o Banco de Portugal paga às instituições de crédito (os bancos comerciais) por conta dos fundos que estes colocam no banco central no âmbito das operações de financiamento monetário.

"Em 2022, com a subida das taxas de juro iniciou-se a materialização do risco de estrutura de balanço, consubstanciada pelo facto dos títulos dos programas de política monetária apresentarem rentabilidades fixas e relativamente baixas, e se encontrarem financiados por passivos de curto prazo com taxas de juro a subir acentuadamente", explica o supervisor.

Há um ano, era ao contrário. O BdP tinha "valor a receber no período homólogo, no anterior contexto de taxas de juro negativas)", explica a instituição.

Assim, o BdP diz que está a proceder ao "fortalecimento dos recursos próprios e à manutenção de níveis de autonomia financeira adequados à missão do Banco por forma a capacitá-lo para poder cobrir eventuais perdas".

Em 2022, a provisão para riscos e perdas "foi reforçada em 235 milhões de euros", mais 6% face a 2021. No final de dezembro, esta almofada ascendia a 3912 milhões de euros, diz o banco central.

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