Os ventos fortes da Suécia
As tempestades podem aproximar-nos das cidades. Os ventos fortes que se fazem sentir no norte do continente, prejudicando uma parte significativa dos voos e dos maiores aeroportos, acabaram por resolver o anunciado problema de chegar à Suécia sem garantia de ligação para Linkoping. Há ventos que sopram no sentido correcto, felizmente. Chego a esta cidade do sul escandinavo com a mesma sensação de visitas anteriores: nada de absolutamente distintivo me aguarda. Uma chegada rápida ao hotel, por percursos incaracterísticos e poucas referências para fixar.
Talvez precise da lentidão do passeio ou mesmo do ritmo de um percurso demorado pelo parque para conhecer a cidade de forma mais adequada. Talvez as memórias se criem de forma inversamente proporcional à velocidade com que se experimenta um espaço novo. A psicogeografia deve estar necessariamente dependente da velocidade a que os sentidos são chamados a conhecer um território. Não será difícil conceber que as memórias são tão diferentes quanto a velocidade a que foram sendo construídas. É um exercício fácil de fazer: escolher um percurso - de preferência novo - numa qualquer cidade, e fazê-lo a passo rápido, concentrado nos declives do passeio e nos obstáculos que ameaçam a chegada ao destino. Tomar nota das impressões, das imagens, dos sons retidos. Repetir o percurso, sem pressa, sem ritmo definido, com a calma do flâneur. Escusado será dizer que as mesmas notas terão outro detalhe e impressões muito mais intensas.
Talvez a palavra velocidade seja, afinal, uma ameaça, na medida em que ela inclui em si mesma aquilo que não lhe deveria pertencer. Inclui palavra cidade. Deveria ser possível aceitar a sua correcção e integrar um neologismo nos dicionários. Isso nos permitam as vetustas academias da língua. A "lenticidade". As palavras podem ser muito poderosas e introduzir a óbvia necessidade de desacelerar as cidades teria qualidades indiscutíveis. Fazer, aqui, um elogio da lentidão não traria nada de novo, nem de particularmente interessante, dada a já significativa produção sobre o tema. No entanto, não me parece ser de menor importância reconhecer que a substancial redução do ritmo de vida urbano é condição fundamental para tornar uma cidade num espaço de construção de memória.
A velocidade higieniza as cidades. Torna-as incaracterísticas, ou meras cópias de tantas outras. Preciso dessa "lenticidade" para construir algo mais sobre este sul da Suécia. Linkoping merecerá, certamente, muito mais do que impressões breves e difusas, sem aroma nem cor. E isto não é apenas um método de reconhecimento e orientação espacial. É um desafio às nossas formas de pensar, desenhar e governar as cidades.