Os Vargas

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Ao longo deste inverno - verão, no hemisfério norte -, muita gente se lembrou da morte de Getúlio Vargas, em Agosto de 1954.
O suicídio do mais lendário dos presidentes brasileiros, líder civil de uma revolução e presidente democrático e em ditadura ao longo de 19 anos divididos em dois períodos, está acima de todas as outras mortes traumáticas, teatrais e misteriosas de políticos. E se as houve, no Brasil.
Humberto Castelo Branco, primeiro presidente da ditadura militar, morreu em 1967, num acidente aéreo em Fortaleza. O Piper Aztec em que voava com a sua comitiva foi atingido pela asa de um jato Lockheed, da Força Aérea Brasileira, que estranhamente aterrou sem problemas.
Em 1976, na Rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo e Rio de Janeiro, o Chevrolet Opala de Juscelino Kubitschek colidiu com uma viatura comercial carregada de gesso. O ex-presidente, conhecido pelas iniciais JK e por ter sido o fundador de Brasília, teve morte imediata num caso em que ainda em 2013 comissões discutiam se fora ou não acidente.
No mesmo ano, morreu João Goulart, o presidente antes do golpe militar. Oficialmente, de ataque cardíaco; segundo o Serviço Nacional de Informações, envenenado por agentes da Operação Condor, aliança nos anos 70 entre seis ditaduras militares da América do Sul e a CIA.
Nove anos depois, Tancredo Neves foi internado na véspera da tomada de posse como primeiro presidente pós-ditadura militar e acabaria por morrer um mês e uma semana depois, sem ocupar o cargo.
Líder da campanha de redemocratização do Brasil, o deputado Ulysses Guimarães morreu em 1992 na sequência de um desastre de helicóptero, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. O seu corpo nunca foi encontrado.
Já em 2002, Celso Daniel, prefeito da cidade paulista de Santo André com fortes ambições políticas, foi sequestrado e morto. A polícia classificou o caso de "crime comum" mas a morte de sete testemunhas-chave nos anos subsequentes adensa o mistério.
Em 2014, um erro de pilotagem considerado "invulgar" por especialistas em aeronáutica levou à morte, na cidade de Santos, de Eduardo Campos, candidato à presidência em 2014 e terceiro classificado nas sondagens naquela ocasião, atrás de Dilma Rousseff e Aécio Neves.
Mas do tamanho dramático do suicídio de Vargas, nada. Duas semanas antes, o seu inimigo Carlos Lacerda fora alvo de um atentado numa rua de Copacabana, de que resultou a morte de um segurança e ferimentos ligeiros no político. Como a investigação policial concluiu que três membros da guarda pessoal do presidente teriam planeado o atentado e um inquérito posterior chegou a associar o seu filho Maneco à trama, Getúlio Vargas sentiu o mundo ruir debaixo dos seus pés.
Com a imprensa e as forças armadas a exigirem a renúncia, Vargas convocou o seu ministério para uma reunião no Palácio do Catete no Rio (ainda não havia Brasília), onde lhe foi proposta a mesma solução.
Terminado o encontro, subiu ao quarto, vestiu o pijama, escreveu uma longa carta-testamento onde afirmava "sair da vida para entrar na história" e disparou contra o próprio coração. Conseguiu, com o seu ato extremo, o que queria: transformar-se num mito e baralhar o xadrez político de tal forma que nem Lacerda ou outro rival chegasse ao poder.
A vida, e o dia da morte, de Getúlio inspirou nove filmes, o último dos quais com Tony Ramos no papel do presidente; dezenas de livros, entre os quais O Homem Que Matou Getúlio Vargas, de Jô Soares; e músicas, como Dr. Getúlio, de Chico Buarque, além de um sem-fim de sambas e marchinhas de Carnaval.
A cada inverno, o suicídio do chamado "pai dos pobres" é recordado.
Em 1997, foi-o especialmente: o seu filho Maneco, o tal associado à trama do atentado de Lacerda, suicidou-se naquele inverno com um tiro de pistola de calibre 38 no peito. E neste inverno também: foi a vez do neto, um empresário de 61 anos conhecido como Getulinho, deixar amigos e familiares em choque ao tirar a própria vida com uma bala de revólver na têmpora.

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