Os três equívocos do III Congresso da Oposição Democrática

A história de um "conclave" que procurou a união entre opositores ao regime de Marcelo Caetano e o que ainda se discute. A importância do encontro esgotou-se em 1973?.
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"Profundamente sensibilizado convite presidir Congresso saúdo companheiros consciente da importância deste Congresso para objectivos centrais nossa luta liberdades democráticas povo português independência povos coloniais declaro aberta a sessão".

Estas foram as palavras enviadas, por telegrama, por Rui Luís Gomes, "presidente da sessão por vontade unânime da Comissão Nacional" do III Congresso da Oposição Democrática, que estava no exílio e que foram lidas, no Cine-Teatro Avenida, em Aveiro, na quarta-feira 4 de abril de 1973, por Álvaro Seiça Neves.

A reunião - "o histórico conclave" - que teve como "principal objetivo a preparação de um programa comum e de listas unitárias", destinadas a enfrentar, na campanha eleitoral para a Assembleia Nacional, em outubro, o regime e a força da Ação Nacional Popular, e que terminaria no domingo, 9 de abril, com um carga policial quando os participantes estavam na romagem ao túmulo de Mário Sacramento, médico e escritor comunista que morrera em 1969, é agora recordada por dois dias, ontem e hoje no CCB, "contextualizando e interpretando" esse momento que também contribuiu para o desgaste do regime - a "primavera marcelista já tinha passado".

Rui Bebiano, historiador, coordenador científico das comemorações em Lisboa [em Aveiro essa função ficou com Carlos Jalali], que tinha 20 anos nessa altura, faria 21 em novembro, uma semana antes do Congresso foi "preso, libertado", foi a Aveiro e na "semana seguinte era incorporado no exército".

Passados 50 anos, o olhar "distanciado" e "científico", que não desvaloriza a importância do acontecimento, identifica três equívocos: Primeiro - "não foi um congresso que reuniu toda a oposição. Não é verdade. Foi um congresso onde a força dominante e organizadora foi o PCP, estavam os chamados companheiros de jornada, muitos militantes da ASP [que dez dias depois daria origem ao PS], velhos do republicanismo, etc, mas não estavam as formações mais radicais de esquerda. Havia lá alguns militantes desses sectores , mas apenas isso"; Segundo - "não foi o Congresso que provocou ou determinou o 25 de Abril. De maneira nenhuma. Não houve qualquer trabalho de preparação, aliás a questão da guerra colonial não foi profusamente discutida, as atas mostram isso"; Terceiro - "o equívoco da ASP que, num certo momento, se convenceu de que conseguia influenciar o congresso na sua direção, para os seus objetivos. A verdade é que as decisões aprovadas e a linguagem usada nas conclusões e nas perspetivas políticas foram as do PCP. Parece um trabalho de revisão, mas o PCP fez aquilo que era, no seu entender, a posição correta e fê-lo com o apoio de um número dominante de democratas".

Os "equívocos", pelos menos um deles, ficou refletido no voto de saudação, no dia 6 de abril, sobre os 50 anos do III Congresso da Oposição Democrática, que os deputados aprovaram por unanimidade quando referiram que foi ali, em Aveiro, que "começam a medrar algumas das ideias força" do 25 de Abril de 1974, entre as quais os "incontornáveis 3D - democracia, descolonização e desenvolvimento - que enformariam o programa do Movimento das Forças Armadas (MFA)" e também quando na evocação dizem que é "neste congresso que vai criando lastro a tese de que as Forças Armadas, que tinham ajudado a fundar o regime e que lutavam há 12 anos na guerra colonial, poderiam ser um instrumento político de rutura, ao serviço do ideal transformativo do país".

Na verdade, sublinha o historiador Rui Bebiano, a tese de Medeiros Ferreira, lida por Maria Emília Brederode Santos, "não foi de facto bem recebida e nem considerada nas conclusões do congresso" apesar de os deputados considerarem que "o regime sofreu um abalo significativo, cujas consequências se fizeram repercutir na revolução e na democracia de Abril".

Nem uma coisa nem outra. "Basta pensar no objetivo principal do congresso e verificar as divergências, contradições e clivagens entre a esquerda. Aquilo que aconteceu depois do 25 abril vai contra a tentativa de unidade que o congresso procurou".

Testemunhos II

Helena Pato, Mário Simões Teles e João Soares participam no debate, que decorrerá entre as 14:30 e as 16:00, no CCB, moderado por Maria Inácia Rezola, historiadora e presidente da estrutura de missão das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.

Intervenções II

Entre as 16:15 e as 18:30 terá lugar um painel com José Pacheco Pereira - "O que o III Congresso revelou sobre o estado da Oposição"; Luís Trindade - "Havemos de ser mais eu bem sei". Sons, imagens e utopia em 1973"; Manuela Tavares - "Mulheres na oposição democrática e o lento caminho pelos seus direitos"; e Miguel Cardina - "Abril de 1973: um retrato das oposições antiguerra". O debate será moderado por Rui Bebiano.

O que já foi debatido

Carlos Carvalhas, Maria Emília Brederode e António Neto Brandão (no painel das testemunhas), Fernando Rosas - "Congresso de Aveiro: em tempo de vésperas", Francisco Seixas da Costa - "1973 - Um Olhar Fardado",

José Manuel Lopes Cordeiro - "Aveiro, 1973: uma Oposição à margem do Congresso da Oposição", Luísa Tiago Oliveira - "Das Conclusões do Congresso de Aveiro ao Programa do MFA" com moderação de Irene Pimentel foram outros dos especialistas que participaram neste evento: Da Memória ao Futuro: O III Congresso da Oposição Democrática, 50 anos depois.

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