Os trabalhos de mulher

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Na semana passada participei numa cerimónia de entrega de diplomas aos estudantes do Politécnico de Coimbra. Ao ouvir chamar os alunos ao palco e depois de conferir a lista dos licenciados, verifiquei que havia cursos quase só de mulheres. Era o caso da educação básica e da animação socioeducativa, onde só havia apenas um rapaz (entre muitas raparigas), ou da gerontologia social (onde não havia nenhum).

O que têm estas formações em comum? Todas alimentam as profissões do cuidado, servindo para cuidar de crianças, cuidar de pessoas idosas e para o trabalho comunitário de entretenimento.
Sabemos também que são as mulheres que maioritariamente se ocupam do cuidado não remunerado, sejam elas cuidadoras informais a tempo inteiro, ou cuidadoras eventuais em complemento do exercício da sua profissão. Sem esquecer que são também as mulheres que se ocupam do trabalho doméstico remunerado.

Tudo somado, o cuidado continua a ser um trabalho exclusivo de mulheres.

As consequências desta distribuição desigual são muitas e nem todas são quantificáveis.
Primeiro, as profissões de cuidado são as menos bem remuneradas; segundo, os deveres de cuidado deixam muitas mulheres fora do mercado de trabalho (estima-se que na Europa sejam de 7.7 milhões de mulheres nessa situação); e terceiro, as tarefas de cuidado, quando se somam ao exercício de uma atividade profissional, têm. em geral, como consequência uma progressão mais lenta na carreira, menos oportunidades de trabalhos remunerados complementares (incluindo horas extraordinárias), conduzindo à persistente desigualdade salarial, de rendimentos e de pensões.

Sem esquecer o mal-estar psicológico que não é não mesurável, ou seja, a sensação de estar em falta com os filhos ou com os pais quando se vai a uma viagem profissional, se sai uns dias para a formação, se aceita um cargo de direção mais consumidor de tempo, ou apenas quando se chega a casa tarde.
Cuidar da igualdade na prestação de cuidados é assim essencial e uma condição sine qua non para que se progrida em outras igualdades: a igualdade no exercício de cargos políticos ou de direção de empresas; ou tão-só a igualdade no tempo disponível para a vida pessoal, livre de obrigações profissionais e de cuidado.

Acresce que, no futuro, tudo indica que teremos menos horas de trabalho para distribuir (o trabalho como o conhecemos hoje). Muitas profissões estão a ser automatizadas e desaparecerão do mercado de trabalho. Não consta que entre elas estejam as profissões de cuidado. Por isso, quando pensamos no trabalho de futuro, referimos sempre que isso vai exigir valorizar social e economicamente os trabalhos de cuidado, incluindo a remunerar os que hoje não são pagos.

Por todas estas razões, é preciso ir mais longe no combate a esta ideia de que cuidar é trabalho (apenas) de mulher. Tal como criámos um programa chamado "Engenheiras por um dia" para atrair raparigas para as profissões tecnológicas, deveríamos criar um outro chamado "Cuidadores por um dia" para atrair rapazes para as profissões de cuidado.


Eurodeputada

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