Os telhados de Los Angeles

Publicado a
Atualizado a

Lana del Rey canta, numa das suas músicas, "I wear my diamonds on Skid Row". A ironia disto perde-se para quem não conhece Los Angeles e o seu problema crónico de sem-abrigo. Skid Row tem uma das maiores concentrações de sem-abrigo, cerca de 2500 em pouco mais de um quilómetro quadrado na baixa de LA. No total, o condado tem 47 mil sem-abrigo. É uma situação extrema gerada por vários fatores, mas o principal é a crise de habitação a preços razoáveis na cidade.

O problema afeta toda a gente que não tem um par extra de milhões no banco. A qualquer altura do ano, a disponibilidade de casas para arrendar é inferior a 3%. As rendas dispararam nos últimos dois anos e vão valorizar mais 7% em 2017. Conseguir arrendar sem colegas de casa é um feito: um quarto em casa partilhada costuma rondar os 700-800 dólares, dependendo da zona. Um estúdio anda nos 1200, um apartamento com duas assoalhadas 1400, e com três assoalhadas para cima de 1500. Em Santa Mónica ou Venice, dispara para 3000-4000 dólares. E comprar casa, daquelas que se veem nos filmes com o carro à porta e um jardim bonito? Perto de um milhão. Uma casa com preço razoável situa-se nos 400 mil dólares.

É uma realidade que leva a questionar porque é que tanta gente quer mudar-se para Los Angeles, e como sobrevive quando o faz. Eu respondo: vive-se em casas partilhadas, arranja-se dois ou três empregos e poupa-se na comida. O sonho comanda a vida, e é para cumprir sonhos que milhares de pessoas se mudam para o condado de LA todos os anos. Em 2015 e 2016, vieram 50 mil novos residentes, atirando a população total para cima dos 4 milhões, pela primeira vez na história.

Quando andei à procura de teto, fiquei estarrecida com as ofertas que encontrei. Casa atrás de casa, apartamento atrás de apartamento, espaços exíguos com rendas exorbitantes (mesmo fora dos bairros mais cobiçados, como Hollywood ou DTLA) e requisitos draconianos. Aqui tudo depende do crédito, e quem não tem número de segurança social não consegue "construir" um bom crédito. Arrendar casa nessa situação, que é a que muitos imigrantes encontram quando vêm estudar ou trabalhar para empresas estrangeiras, é ainda mais difícil. Subarrendar é a solução para muita gente, e isso tem um efeito multiplicador dos preços. Percebe-se porque é que o condado está a tentar regular serviços da nova economia como o Airbnb. Numa cidade com constrangimentos tão fortes, os senhorios que decidiram pôr os apartamentos disponíveis permanentemente na plataforma temporária fazem bom dinheiro, mas agravam o problema. A economia de partilha neste caso é uma conta de subtrair.

Desde que cheguei, recebi vários contactos de portugueses que também querem vir. A América ainda é um sonho para muita gente, e Los Angeles tem esta aura magnética que é como um campo de forças invisível - repulsa e atrai, abraça e sufoca. "É difícil", respondo, "mas vale a pena tentar". A comunidade portuguesa por aqui é pequenina. A nova geração de expatriados conta umas centenas; mais, se formos para Artesia e descobrirmos aqueles que vieram nos anos sessenta, sobretudo dos Açores, e lançaram raízes nesta parte do Sul da Califórnia. O legado português mantém-se vivo nas segundas e terceiras gerações, uma passagem de testemunho que emociona tendo em conta a dimensão reduzida da comunidade. Em Artesia, que fica a 30 quilómetros da baixa de LA, os preços da habitação são um pouco mais em conta, embora a dificuldade persista - a oferta é limitada, a procura imensa.

Ainda assim é possível, porque neste país aprendemos rapidamente que o desenrascanço nacional é o equivalente ao mote local: make it work. Conheci muita gente que conseguiu vingar apesar de todos os obstáculos, inspirando-me pela incrível perseverança num país que não é o seu, num mercado que é tão diferente e uma sociedade tão estranha - ao mesmo tempo que recebe, critica. "Land of the free, home of the strange", cantam os Young the Giant no último álbum. Verdade. Isso é parte do apelo. Aqui, onde há poucos arranha-céus, os sonhos voam mais alto do que os telhados de Los Angeles.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt