Os talibãs e a ameaça terrorista
A saída intempestiva dos Estados Unidos do Afeganistão veio tornar a Ásia Central mais instável e incontrolável e o mundo mais perigoso. As garantias dadas pelo novo poder de Cabul de que o Afeganistão não voltaria a ser um santuário para o terrorismo são suficientemente vagas para que a desconfiança se instale, até porque não se viu qualquer distanciamento relativamente aos grupos associados à Al-Qaeda ou ao Estado Islâmico, que se congratularam com a vitória dos talibãs, com exceção do ISIS-Khorasan, que com eles mantém uma rivalidade muito perigosa que, inclusivamente, pode conduzir a uma guerra civil.
Apesar de os talibãs parecerem interessados em obter reconhecimento internacional, uma atitude diferente da que tiveram quando assumiram o poder entre 1996 e 2001, a composição ultraconservadora do governo não deixa de ser um desafio ao Ocidente e uma prova de que nada os demoverá de fazer o seu caminho. E como é por demais evidente, não existe qualquer convergência de valores em termos de democracia, liberdades e costumes com o mundo ocidental, bem pelo contrário, são totalmente antagónicos.
Mas se, para o Ocidente, a natureza do novo regime representa um obstáculo à aproximação e ao seu reconhecimento, o mesmo já não acontece com países como a China, a Rússia, o Irão ou mesmo a Turquia, mais preocupados em salvaguardar os seus interesses estratégicos, seja em termos de segurança, acesso aos recursos naturais ou aos mercados. Nem a China quer que sejam apoiados os separatistas uigures nem a Rússia que os vizinhos Tajiquistão e Usbequistão sejam perturbados com incursões terroristas, particularmente do ISIS-K.
A situação agora é paradoxal, porque a União Europeia e outros países definiram um conjunto de critérios para um relacionamento com o Afeganistão, muitos dos quais pouco prováveis de serem acatados, como o respeito pelos direitos humanos e pelo Estado de direito. Mais difícil ainda será o reconhecimento internacional, o que levanta obstáculos à cooperação em diversos domínios, entre eles o financeiro, essencial para dar resposta aos gravíssimos problemas do país, entre os quais o humanitário. O grande desafio é impedir um isolamento do Afeganistão, o que certamente poderia ter consequências muito piores em termos de alianças regionais, terrorismo, refugiados ou violação de direitos humanos, com as mulheres numa situação particularmente vulnerável.
Independentemente destas preocupações, o simples facto de os talibãs terem derrotado os Estados Unidos e a NATO, tal como já acontecera com os soviéticos no final dos anos 1980, pode servir de inspiração para movimentos terroristas noutros países, ansiosos por dar provas de vida e por se expandirem, alentados pela sua visão obscurantista e bárbara do mundo.
São conhecidas as ligações que os talibãs ao longo dos anos foram tecendo com grupos extremistas e com vários ramos da Al-Qaeda que, aliás, continua presente em 15 províncias do país, segundo informações da ONU. Continua a ser uma incógnita, portanto, a forma como os talibãs se vão relacionar com esses grupos e se exercerão a sua influência para os neutralizar ou se os utilizarão como instrumento de pressão para desestabilizar o mundo ocidental, fazendo um jogo duplo, como fez o Paquistão em relação aos Estados Unidos.
Por isso, esta saída negligente dos Estados Unidos do Afeganistão, sem cuidar devidamente das consequências para o terrorismo internacional, poderá tornar-se uma forte motivação para ações terroristas a nível global, o que, obviamente, não pode deixar o mundo indiferente, que precisa de aumentar o seu grau de vigilância.
Deputado do PS