Os "sins" e os "nãos" da regionalização
Aregionalização regressa à agenda de cada vez que há eleições. E no dia 30 os portugueses voltam às urnas. Os partidos recolocam nos seus programas este tema, mas ao longo das legislaturas, tipicamente, o mesmo vai perdendo gás, energia, rasgo.
São muitas as ideias preconcebidas, geralmente negativas, acerca da regionalização. Aliás, o termo está gasto e tem má reputação. Talvez já seja a altura de os marketeers ou spin doctors criarem uma nova palavra que substitua "regionalização".
Para começar, está enraizada a ideia de que o nosso país é pequeno e, logo, não precisa de regionalização. Será? Vejamos: na Europa, o país mais descentralizado da OCDE é a Dinamarca, que tem metade da área de Portugal. Cai por terra o mito. Naquele país nórdico mais de 30% da despesa pública está nas mãos das regiões. Em Portugal esse valor ronda os 5%. Números trazidos por Joaquim Oliveira Martins, ex-chefe da divisão de política e de desenvolvimento regional da OCDE, à conferência "Regionalização, agora ou nunca", que decorreu ontem à tarde na capital e que juntou três marcas de media: DN, JN e TSF.
Dar mais poderes às regiões não se traduz apenas e só em distribuir dinheiro, são muitos mais os dossiês quentes e que levantam perguntas. Uma delas é: a regionalização tende a aumentar a corrupção? Não há estatística sobre isso, afiança Joaquim Oliveira Martins. E pode a regionalização aumentar a despesa pública? Sim, quando é mal feita e se se mantiverem as estruturas atuais ao mesmo tempo que se instituírem as novas estruturas regionais.
Há ainda a ideia feita de que um modelo mais regionalista tende a aumentar o emprego público. É verdade? A resposta óbvia parece ser sim, mas depende de como é gerido todo o processo. O grande desafio passa por assegurar que não é um gerador de tachos e tachinhos ou, noutra linguagem, alimento de clientelas do partido x ou y.
Mais do que o grau de profundidade da redistribuição de poderes pelas várias geografias, é o desenho que poderá fazer toda a diferença. E esse tem de dizer "não" a erros que comprometem, desde logo, o sucesso desse trilho. O primeiro "não" terá de ser à tentação de fazer uma regionalização de escritório, realizada de e para gabinetes políticos, sem aderência ao terreno. O segundo tem de ser verbalizado, e bem alto, em relação à criação de novas camadas, em cima de camadas já existentes, de burocracia. Um terceiro "não" tem de ser proferido com todas as letras, em relação à promoção de caciques e pequenos poderezinhos que apenas satisfazem alguns egos e que são verdadeiras entropias à eficiência do sistema.
E vamos aos "sins". A regionalização, se vier a avançar na próxima legislatura, terá de dizer "sim" à verdadeira proximidade dos cidadãos, dizer "sim" em relação ao profundo conhecimento do território e das necessidades da população e mais um "sim" com vista a alcançar maior eficiência e celeridade na decisão e na aplicabilidade das medidas em cada uma das regiões.
A regionalização pode favorecer a coesão territorial. O próprio Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) põe o foco na necessidade da coesão europeia. Este poderá ser o momento para se avançar, mas os "nãos" e os "sins", que escrevo acima, não devem ser esquecidos, sob pena de o país dar mais tiros nos dois pés e ficar ainda menos competitivo, justo e coeso socialmente.
A palavra final terá de ser dos portugueses, como afirmou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no encerramento desta iniciativa. E isso só se faz com um referendo. A voz deve ser dada ao povo. Este não é um processo que se possa construir só com políticos e muito menos contra os portugueses. Depois de em 1998 a regionalização ter sido redondamente chumbada em referendo, a ver vamos se desta vez os cidadãos querem ou não - e confiam ou não nos partidos e nos políticos para seguir por este caminho diferente, com ganhos e perdas de gestão administrativa do território. O povo ditará a sentença.
Até lá, "é preciso não deixar cair o tema da agenda" como alertou o Presidente da República. E lembrar a todos os agentes que a regionalização passa por uma gestão em parceria e não é mera delegação de competências nem um passar de "batata quente" de uns para outros, muito menos motivo de guerrilha política e instabilidade. França seguiu nesse caminho, optando por dar poder às regiões e libertar o governo central dos assuntos do dia-a-dia para se focar em temas mais estratégicos. Estará a resultar?