Os segredos da equipa que faz tudo às claras

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Sensação. O Leixões já assegurou que ficará sempre ligado à história desta edição da Liga. Uma boa prospecção, mesmo feita à revelia de todas as regras, permitiu a José Mota juntar em Matosinhos uma equipa capaz de interpretar na plenitude o seu ideal de futebol. Tudo condimentado com um espírito inigualável de um clube pequeno mas em que todos querem jogar

A vitória ontem conquistada em Vila do Conde valerá ao Leixões pelo menos mais uma semana na liderança isolada da Liga. E, suceda o que suceder até final da época, nada nem ninguém apagará da memória de quem viu a saga de uma equipa pobre, feita de remendos, mas sempre solidária, como manda a tradição preservada por um público fiel e sofredor. Há pelo menos a firme convicção de que em Matosinhos não voltarão a viver-se momentos tão angustiantes como os da época passada, em que só ao primeiro minuto de compensação da derradeira jornada a equipa se livrou da descida de divisão, graças a um golo da U. Leiria ao Paços de Ferreira.

Nessa tarde de 11 de Maio, Vítor Oliveira, que era treinador da U. Leiria já condenada à despromoção, prejudicou seriamente o trabalho de José Mota, então técnico dos pacenses, que só ficaram na Liga porque o Boavista foi despromovido administrativamente. Meses depois, os dois trabalharam afincadamente para construir a equipa do Leixões: Oliveira no papel de director desportivo, Mota como treinador longe da equipa cujos treinos podia controlar da janela de casa. E na forma como os dois trabalharam em conjunto nos meses de Verão começou o sucesso do Leixões. "O Vítor Oliveira, o professor Jorge Mendonça e eu fomos incansáveis na prospecção. E tivemos a sorte de conseguir bons jogadores, uns que eu já conhecia, como o Wesley, o Zé Manel, o Laranjeiro ou o Serginho Baiano", diz agora José Mota. "Mas tivemos que esperar muito. Havia jogadores, como o Wesley ou o Roberto Sousa, que estiveram até ao limite à espera de outras hipóteses e que, por isso, já chegaram com a época em andamento", completa Vítor Oliveira.

A verdade é que a equipa não é tão diferente da do ano passado. No onze-base, só houve cinco alterações: os dois laterais (Filipe Oliveira e Ezequias por Vasco e Laranjeiro), um médio (Paulo Machado por Roberto Sousa) e dois avançados (saiu Jorge Gonçalves para dar lugar ao desconhecido Braga e trocou-se Roberto por Wesley). Mudou também, é certo, o sistema táctico, mas até esse era o utilizado pelo Paços de Ferreira de José Mota, que acabou o campeonato passado em 15.º lugar. "É realmente o mesmo sistema, um 4x4x2 com o meio-campo em losango com o Wesley a aparecer em zonas de finalização para que ele se aproxime de um 4x3x3 em posse de bola", reconhece Mota. O que faz então a diferença? "Há duas grandes diferenças. Primeiro, o facto de estes jogadores terem mais qualidade. Depois, o facto de haver resultados. Qualquer equipa melhora com os bons resultados".

A verdade é que este sistema parece desenhado para aqueles jogadores, para lhes permitir a forma solidária de defender e as transições atacantes rápidas e apoiadas. Mais do que isso, o Leixões começou rapidamente a jogar à José Mota, a praticar um futebol que formou a imagem de marca deste treinador. É, passadas oito jornadas, a equipa com mais faltas cometidas (19,9 por jogo), roubando a menção que há épocas sucessivas pertencia ao Paços de Ferreira de? José Mota. Mota não gosta muito que se lhe fale disso, por temer as associações entre o volume de faltas e o anti-jogo. "Se esta equipa jogasse em Inglaterra metade das faltas não eram marcadas", começa por dizer, lembrando o Paços de há dois anos, "que foi a equipa que fez mais faltas mas não teve um único cartão vermelho e acabou por ir à UEFA". "O Leixões joga muito junto, faz confronto físico e é muito pressionante. Por isso, faz mais faltas. Porque joga nos limites da entrega, porque reage rápida e colectivamente à perda da bola", explica o treinador que, a par do seu amigo Jaime Pacheco - "é a pessoa com quem mais discuto futebol", confessa - se tornou esta época o único técnico a ganhar por duas equipas em dois estádios dos grandes na mesma época. "E ainda podemos fazer o pleno", junta Vítor Oliveira, pelos vistos confiante no sucesso no Estádio da Luz, em jogo marcado para o próximo mês de Março.

Esta é uma proeza que Vítor Oliveira só conheceu como jogador. É que o actual director desportivo jogava na equipa que, em 1972/73, António Teixeira conduziu a vitórias em Alvalade e nas Antas. Entre as duas equipas, separadas por três décadas e meia, Oliveira vê muitas diferenças, mas uma semelhança: o espírito. "Naquela altura havia no plantel 14, 15 ou 16 jogadores da terra e era isso que levava à criação daquele espírito de equipa. Quando vinha alguém de fora, e se vinham era um ou dois brasileiros, era um acontecimento. Hoje os jogadores entram e saem de um clube com uma velocidade espantosa. Mas a mística continua aqui, ainda que neste momento tenha que ser transmitida de fora para dentro. Têm de ser os sócios mais antigos a passá-la aos jogadores que chegam", analisa Vítor Oliveira. É na verdade impossível ignorar o papel que o público desempenha no sucesso do Leixões. A equipa de Matosinhos é, logo depois dos três grandes, do Sp. Braga, do V. Guimarães e do Marítimo, quem tem uma maior média de assistência nos jogos em casa, com 4982 adeptos por desafio. E isso nota-se no apoio durante as partidas. "O melhor ambiente que alguma vez vivi como jogador foi no Estádio do Mar, em 1988, quando aqui vim jogar pelo Paços de Ferreira, na última jornada do campeonato da II Divisão, na época em que o João Alves conseguiu a subida. Até me lembro de ter pensado que gostaria de um dia jogar no Leixões", lembra Mota.

Porém, só chegou ao Leixões como treinador. E ali encontrou uma realidade muito própria, uma pressão permanente que chega até aos treinos, nos quais se juntam muito mais adeptos do que aqueles incondicionais que passam o dia no café do estádio a discutir futebol. "Temos sempre 400 ou 500 pessoas em cada treino. Há sócios que parecem ter lugar cativo. E fazem uma pressão muito grande, por vezes complicada, mas que funciona como despertador. Os jogadores têm de sentir que não é fácil jogar no Leixões", explica Oliveira. "Até por isso, nunca fiz um treino à porta fechada", assume Mota. Mas, afinal, alguém falou em segredos?|

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