Os quereres dos nossos filhos
Tenho uma amiga que diz que nós mães somos uma espécie de gueixas dos nossos filhos, que eles nos fazem bullying, porque mal abrem a boca e estendem a mão, nós, parvinhas de todo, vamos a correr tipo gueixas. Começa com um chorinho porque tem fome, um guincho porque tem dores de barriga, uma berraria porque não quer ir para cama. Toleramos e, com todo o entusiasmo/espírito de missão, servimos. Tolera-se tudo a bebés, sejam animais ou crianças. Só que eles crescem e nós continuamos parvinhas, obedecemos quando eles dizem "quero" ou "não gosto". Faz-me impressão que as crianças ou adolescentes ou tudo o que não seja adulto e pague imposto diga "quero". Em minha casa dizer "quero" era como dizer um palavrão. "As crianças não têm quereres", dizia a minha avó, a minha mãe e toda a gente que me educou. Era "quero" e "não gosto". Também não se podia dizer não gosto porque era feio. Era feio e chega. Como tudo me era dado, dizer "não gosto" era no mínimo antipático para quem me oferecia. Era de menina mimada, um tipo de menina que a literatura juvenil destruiu e desprezou durante séculos até hoje. "Cala e come." Uma vez a minha irmã ficou mais de uma hora a olhar para o arroz-doce que detestava e comeu-o no fim. Ainda hoje a minha irmã detesta arroz-doce e sumo de tomate. Tenho um amigo que enchia pela segunda vez o prato dos filhos sempre que eles diziam que não gostavam. Hoje, gostam de tudo.
Mas já passámos esta fase. Tudo o que aqui escrevi está tão bafiento quanto o comunismo. Hoje os miúdos têm estatuto. Ninguém deu por isso, mas os miúdos de 13 até aos 25, pelo menos, são como os bebés de 3 meses com cólicas que em vez de gritarem dizem "quero" e "não gosto". E não lhes podemos bater - se soubessem as vezes que me apeteceu espancar os meus filhos pelas vezes que eles disserem "quero" ou "não gosto" (e as que bati), tiravam-me as crianças. O meu filho mais novo - que fala à "xopinha de maxa" porque ninguém se quis chatear e tirar-lhe a chucha a tempo - sempre que chega a um café aponta para a montra e diz "quero ixto". Eu digo: "Mão é quero, é podem dar-me isto?" E todos os dias é a mesma coisa. E quando eles telefonam e dizem: "Estou despachado"? E nós lá vamos a correr, tipo gueixas, lá está. "Quero lá saber, vem a pé", respondi eu noutro dia. "Ser senhor dos seus humores é um privilégio dos grandes animais", escreveu Albert Camus. Dos grandes animais porque não conheceu esta geração.