Os que o amam vs. os que o odeiam: as eleições que são um referendo a Trump

Estão em jogo os 435 lugares da Câmara dos Representantes, um terço dos cem senadores e 36 dos 50 governadores, além de vários autarcas e inúmeros referendos locais. Mas quando forem às urnas nesta terça-feira é o seu presidente que os americanos vão estar a avaliar em primeiro lugar.
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Dois anos depois de Donald Trump ter vencido as presidenciais, derrotando a democrata Hillary Clinton apesar de esta ter mais três milhões de votos populares, os americanos voltam nesta terça-feira às urnas. Desta vez, o destino do presidente não está diretamente em jogo. Mas numa América mais polarizada do que nunca, em que o eleitorado se divide entre os que odeiam o inquilino da Casa Branca e os que o apoiariam "mesmo que desse um tiro a alguém em plena Quinta Avenida" (palavras do próprio), estas intercalares são mais do que nunca um referendo a Trump.

Aqui ficam algumas perguntas e respostas para ajudar a perceber o que está em causa.

Porquê eleições intercalares?

Estas eleições chamam-se intercalares (ou midterms, em inglês) uma vez que se realizam a meio do mandato presidencial de quatro anos.

E o que vai a votos?

Quando forem às urnas hoje, os americanos vão estar a escolher os 435 membros da Câmara dos Representantes (eleitos para mandatos de dois anos), um terço dos membros do Senado (ao todo são cem​​, neste ano vão a votos 35. Os mandatos são de seis anos) e 36 dos 50 governadores (com mandatos de quatro anos). Juntos, Câmara dos Representantes e Senado constituem o Congresso, o órgão legislativo americano, situado fisicamente na capital federal, Washington. Na câmara baixa, cada estado é representado por um número de congressistas proporcional à sua população; na câmara alta, cada estado tem direito a dois senadores - independentemente do seu tamanho.

Como estão as coisas neste momento em termos políticos?

Nos últimos dois anos, os republicanos - o partido do presidente - estiveram em maioria tanto na Câmara como no Senado. Mas, com os níveis de aprovação de Trump a não passarem dos 40%, a América está mais dividida do que nunca entre os apoiantes indefetíveis do presidente e os que veem nele a personificação do Mal e alguns setores a parecem mais mobilizados do que nas últimas eleições - jovens, mulheres e minorias, pelo menos a acreditar nos números dos votos antecipados - os democratas acreditam ser possível recuperar o controlo de pelo menos uma das câmaras do Congresso.

O Senado é mais fácil de recuperar, certo?

Pode parecer que sim mas... não. Apesar de na câmara alta do Congresso os republicanos só terem mais dois senadores do que os democratas (na verdade têm 51 contra 47 democratas, mas os dois independentes votam tradicionalmente com a esquerda), é na recuperação da Câmara dos Representantes que a oposição aposta. A razão é simples; dos 35 lugares de senadores em jogo nestas eleições, 26 são detidos por democratas. Mais, muitos deles ficam estados vermelhos - a cor dos republicanos ou em estados que sendo tendencialmente democratas votaram em Trump nas últimas eleições. Para virar a Câmara dos Representantes a seu favor, os democratas precisam de recuperar 23 lugares. Com todos os 435 em jogo, a verdade é que o partido está a centrar os esforços em 85 lugares detidos por republicanos e que eles consideram mais vulneráveis.

Como estão as sondagens e as apostas?

De acordo com as previsões do site Real Clear Politics, há neste momento 39 lugares considerados "empatados" na Câmara dos Representantes. Destes, apenas seis são de democratas, o que alimenta as esperança deste partido de recuperar a câmara baixa do Congresso. Já de acordo com o FiveThirthyEight, o site de Nate Silver, as hipóteses de os democratas ganharem o controlo da Câmara é de seis para sete, enquanto no Senado são apenas de um para sete.

Podemos apostar numa vaga azul, então?

Não é garantido. As sondagens valem o que valem e é preciso não esquecer que em 2016 todas falharam ao dar Hillary Clinton como vencedora das presidenciais. Além disso, há o gerrymandering...

O que é isso do gerrymandering?

O conceito foi criado pela primeira vez em 1812 para designar a redefinição dos distritos eleitorais de forma a beneficiar o candidato de um partido. Na altura, o governador do Massachusetts Eldridge Gerry aprovou a mudança de fronteiras dos distritos eleitorais, ficando alguns deles com uma forma estranha. O Boston Gazette publicou então um cartoon de um dos distritos em que este surgia sob a forma de uma espécie de salamandra mítica, um animal com garras, asas e cabeça de dragão. Foi o jornal que cunhou o termo gerrymandering - uma fusão entre Gerry e salamander. Desde então, o gerrymandering tem sido usado por ambos os partidos para tentar favorecer os seus candidatos. Este ano não é exceção.

Há dias a ABC News dava o exemplo de Ted Budd, um congressista da Carolina do Norte que procura a reeleição pela primeira vez depois da vitória em 2016. Dono de uma loja de armas e de uma carreira de tiro, Budd tem muito contra ele: pertence ao partido do presidente, o que costuma ser uma desvantagem nas intercalares e, além disso, tem como rival uma mulher num ano em que há forte pressão para apelar ao voto feminino e o que muitas esperam ser uma mobilização sem precedentes impulsionada por movimentos como o #MeToo. Mas Budd tem uma vantagem a seu favor: num estado controlado pelos republicanos, o seu distrito, o 13.º, foi redesenhado para o favorecer no dia da votação.

Com tanto em jogo para ele, Trump tem participado na campanha?

Sim, de forma muito ativa. O presidente tem percorrido o país para apoiar os candidatos republicanos, Ted Budd foi apenas um deles. Mas esteve longe de ser o único. Numa visita ao Tennessee, Trump garantiu: "Votar em Marsha [Blackburn, candidata a senadora] é como votar em mim."

O presidente sabe que precisa de que os republicanos mantenham a maioria no Congresso se quer ver os seus projetos avançar. Uma Câmara dos Representantes com maioria democrata iria fazer tudo para impedir ou, no mínimo, travar as propostas do presidente - do financiamento do muro na fronteira com o México à reforma da saúde.

Imigração, saúde, economia. Foram estes os principais temas da campanha?

Com a caravana de migrantes vindos sobretudo das Honduras a caminho da fronteira dos EUA, o tema da imigração tem sido um dos mais quentes desta campanha. Sempre alimentado ao ritmo dos tweet de Trump. O presidente já anunciou o envio do exército para "travar a invasão". Mas recuou na ideia de os militares poderem disparar contra os migrantes que mandassem pedras contra eles, depois de as suas palavras terem provocado uma onda de indignação.

A economia, essa, parece jogar a favor de Trump e dos seus aliados republicanos. Com o desemprego nos 3,7% (a taxa mais baixa desde 1969), o emprego a crescer há 96 meses consecutivos, a bolsa a subir, os impostos a baixar e uma previsão de crescimento da economia americana de 3,1% neste ano, o presidente aposta na melhoria da qualidade de vida dos americanos para ganhar votos.

A saúde tem passado mais despercebida nos temas da campanha americana. Mas nos últimos meses os democratas têm insistido que um Congresso dominado pelos republicanos significa o fim do Obamacare, a reforma da saúde do presidente Barack Obama que visava garantir a todos os americanos o acesso a um seguro de saúde.

Cartas armadilhadas, ataque mortífero a uma sinagoga em Pittsburgh. Esta foi uma campanha marcada pela violência?

De certa forma, sim. A reta final da campanha ficou marcada pelo envio de cartas armadilhadas para uma série de personalidades democratas, do ex-presidente Barack Obama a Hillary Clinton, do ator Robert De Niro ao milionário George Soros. As autoridades acabaram por deter Cesar Sayoc, um homem de 56 anos natural da Florida e apoiante fervoroso de Trump, acusando-o de cinco crimes federais.

A 27 de outubro, um homem armado entrou numa sinagoga em Pittsburgh, acabando por fazer 11 mortos. Este foi o pior ataque antissemita da história dos EUA e, apesar de duramente condenado por Trump, foi apontado pelos seus detratores como um sinal da divisão e do ódio que têm marcado os dois primeiros anos da sua presidência.

E depois destas intercalares, o que se segue?

Bom, tudo depende de quem ganhar. Se os republicanos mantiverem o controlo de ambas as câmaras do Congresso, não só vão sair reforçados como vão ter toda a legitimidade para implementar a sua agenda e a do presidente. Se os democratas conseguirem recuperar a Câmara dos Representantes, é provável que se volte a ouvir falar de impeachment. A destituição do presidente tem sido assunto tabu nas últimas semanas entre os líderes democratas, mas, com Trump envolvido numa série de escândalos - a começar pelo alegado envolvimento da sua equipa na manipulação pelos russos dos resultados das presidenciais de 2016, sob investigação pelo procurador especial Robert Mueller -, depressa pode voltar a estar em cima da mesa. Mesmo se poucos acreditam na hipótese de os democratas conseguirem os dois terços necessários para avançar com o processo de impeachment.

E 2020?

Passadas as intercalares, os olhares vão inevitavelmente virar-se para as próximas presidenciais. E as incógnitas são muitas. Irá algum republicano desafiar Trump? Os democratas irão optar pela ala mais à esquerda do partido ou preferir uma figura mais consensual e de centro? A esta altura do campeonato, tudo está em aberto. Fala-se em muitos, muitos nomes do lado democrata, de veteranos como o ex-vice-presidente Joe Biden, a senadora Elizabeth Warren ou mesmo Bernie Sanders, que em 2016 perdeu as primárias para Hillary, até às caras novas como a senador Kamala Harris, o ex-governador Deval Patrick, a senador Amy Klobuchar ou mesmo a estrela em ascensão Beto O'Rourke.

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