Os putos da Luta

"Não conseguem estar muito tempo juntos, mas não vivem um sem o outro", desabafa a "mãe da Luta". Em momento de festa pela vitória dos Homens da Luta no Festival RTP da Canção, Clementina e Rogério Duarte revelam como é que os filhos cresceram bem-comportados, viveram uma adolescência inquieta e se tornaram adultos rebeldes.
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Jel, 36 anos, é racional, Vasco, 32, é aluado; O primeiro sempre teve espírito observador, o segundo ajeitou-se para a música; O mais velho manteve os romances na discrição e - segundo os pais - "só apresentou três relações", o mais novo é um verdadeiro pinga-amor. Jel [Nuno é o seu nome de baptismo] vive com Patrícia, mas ainda não é pai, já Vasco - que se apresenta noivo no Facebook - tem uma filha com 15 anos, Mariana. "Ele foi pai solteiro", conta Rogério Duarte, progenitor dos humoristas e avô de Mariana. "Foi aos 17 anos e na altura reagiu como se o mundo lhe tivesse desabado sobre a cabeça", recorda Clementina, a mãe que reclama para si o estatuto de mãe da Luta. Agora tudo tem outro encanto. "Acho graça ao que o meu pai faz. Às vezes acompanho-o", conta à Notícias TV a filha, que guarda para os mais chegados este laço familiar.

Estes irmãos não podiam ser mais distintos entre si e cresceram em Odivelas - relata a mãe Tina, como é tratada - "a refilar". Mas como há hábitos que nunca se perdem, a Mãe da Luta desabafa: "Não conseguem estar muito tempo juntos, mas não vivem um sem o outro". Jel foi quem começou com a história da televisão. "Há cerca de seis anos fez um curso de vídeo e andava por Lisboa com a câmara na mão", recorda Rogério Duarte, que adianta ter sido aí que nasceu a personagem do Russo. Não foi preciso muito mais tempo para arrastar o irmão para estas andanças e rapidamente começaram a gravar juntos no Vai Tudo Abaixo. "Eles trabalham muito bem, completam-se", justifica Clementina.

Os Homens da Luta existiram

Foi neste formato da SIC Radical, em 2006, que os Homens da Luta encetaram os primeiros protestos, precisando de quatro anos para ganhar a dimensão nacional que hoje se lhes reconhece. Mas estas personagens são inspiradas em pessoas que marcaram a infância e adolescência da dupla de humoristas. "O Neto [nome de Jel na Luta] e o Falâncio [nome de Vasco na Luta] existiram mesmo", informa, orgulhoso, o pai dos rapazes enquanto mostra as fotografias que o comprovam. "O meu sogro, e avô dos meus filhos, era um homem muito ligado à política, ligado ao Partido Comunista e era muito activo. Trabalhava na RTP como mecânico de precisão, mas foi suspenso no 25 de Novembro", recorda Tina. Rogério completa: "Ele era um óptimo contador de histórias e os miúdos ficavam a ouvi-lo. O meu pai falava depois do Falâncio, que era o chefe dele no trabalho, e eles sempre acharam piada ao nome."

Anos mais tarde e tantas histórias depois, Neto e Falâncio saíam à rua, sem que os modelos inspiradores tivessem oportunidade de os ouvir. Jel e Vasco apresentavam-se de megafone e guitarra para a gritar à cara dos políticos, atitudes vindas de duas pessoas, jura a mãe, bem-comportadas. "O Nuno nunca teve uma falta a vermelho na escola, nunca foi para a rua uma única vez", diz Clementina.

A mãe diz mesmo que o seu mais velho "nunca deu problemas e que até vinha envergonhada da escola [secundária de Odivelas] por ele ser tão bom aluno". E a pequena inconfidência sobre Nuno também é feita por Tina, entre risos: "Por volta dos 13, 14 anos foi betolas. Usava camisas aos quadrados, sapatos vela e andava sempre muito penteadinho. Passou depois a usar gel no cabelo e daí surgiu o nome. O Vasco sempre foi mais virado para o rock." A faculdade não foi uma opção pacífica para Jel, que começou vários cursos, mas acabou por não terminar nenhum: "Frequentou o segundo ano em Gestão de Marketing, entrou em História de Arte e acabou por formar-se em Vídeo", explica a mãe, que acrescenta que a vida universitária andou entre Lisboa e Coimbra. Já o intérprete de Falâncio completou o 12.º ano num curso técnico-profissional e celebrizou-se como Mister Vasco: "Tirou o curso de animador sociocultural, foi para Londres estagiar para uma instituição de idosos, que gostavam muito dele, e trouxe muitas cartas e elogios."

Os pais relatam que nem um nem outro revelaram grande apetência para lidar com os negócios de família - um pronto-a-vestir e um cabeleireiro -, mas Nuno ainda se aventurou no mundo da iniciativa privada. "Trabalhou em dois bares no Bairro Alto e teve depois um, o Mão Vermelha, na praia do Castelo, na Costa de Caparica", relembra o pai Rogério Duarte.

Estratégias da mãe da Luta

"Nunca pensei que os meus filhos viessem a andar na Luta." A frase é dita pela mãe de Jel [Nuno] e Vasco Duarte, Clementina, e não é proferida com incredulidade. É com orgulho: "Eles são honestos, nunca roubaram ninguém, nunca maltrataram ninguém. Adoro os meus filhos e rio-me muito com eles."

Tina é muitas vezes responsável por "alimentar a Luta". "O senhor do talho já sabe que quando peço um quilo de bifes todos vão em sacos separados porque está sempre a chegar gente e assim é mais fácil. São estratégias da mãe da Luta", conta, sorrindo. O pai também dá o corpo ao manifesto. "Eles vêm cá para casa fazer as gravações e num instante se faz uma panela de almôndegas para toda a gente." Na verdade, "o armazém da Luta" está montado no antigo quarto de Jel e por isso a casa de família, em Lisboa, é ponto de encontro. É território sagrado, mas de guerra e com acesso restrito.

Este empenho pessoal dos pais nos projectos de Jel e Vasco é incondicional, mesmo que os tenham imaginado com destinos diferentes. "O mais velho... sempre foi muito inteligente e sempre o imaginei sentado como um sr. dr. numa empresa qualquer, mas não. O mais novo, dava muito para relações públicas", realça Tina.

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