Os Puma alemães afinal são só "tigres de papel"

Veículos de combate de infantaria, que fariam parte da contribuição de Berlim para a nova força de reação rápida da NATO, sofreram problemas durante um exercício.
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A expressão "tigre de papel" é a tradução do termo chinês "zhilaohu", que designa algo que parece poderoso e ameaçador, mas que, na realidade, é ineficaz e incapaz de resistir a desafios. Foi usada no século passado por Mao Tsé-tung, o fundador da República Popular da China, para se referir aos seus adversários políticos, nomeadamente os EUA. Mas, em pleno século XXI, foi recuperada pela imprensa alemã para se referir ao percalço que os novos veículos de combate de infantaria da Alemanha enfrentam. Os Puma parecem afinal não passar de "tigres de papel".

Há muito que estes blindados, que deviam substituir os velhos Marder usados desde a década de 1970, dão problemas. Mas a gota de água veio depois de, num exercício militar recente, terem surgido problemas em todos os 18 Puma envolvidos. Nenhum deles ficou em condições operativas, num desaire para as Forças Armadas e para Berlim, que tinha destinado 42 destes veículos para integrarem a nova força de reação rápida da NATO.

"As últimas falhas do Puma são um duro revés", admitiu a ministra da Defesa alemã, Christine Lambrecht, num comunicado, depois de a revista Der Spiegel ter divulgado os problemas destes veículos de combate na edição do último fim de semana. Entre as falhas detetadas, um dos veículos sofreu um incêndio num cabo dentro do compartimento do condutor, e outros dois tinham defeitos na torre que foram detetados durante o exercício.

O major-general Ruprecht von Butler disse, numa carta ao ministério da Defesa citada pela revista, que, apesar de os militares estarem cientes da reputação de falta de fiabilidade dos Puma, este tipo de problemas técnicos "nunca tinha ocorrido com tanta frequência" como a registada nos testes recentes. "As nossas tropas têm de ser capazes de contar com sistemas de armas robustos e estáveis em combate", disse Lambrecht no comunicado, ordenando às empresas fabricantes, Krauss-Maffei Wegmann e a Rheinmetall, que façam um relatório da situação.

A ministra suspendeu também a compra de novos veículos até estes provarem ser "estáveis" - segundo a emissora Deutsche Welle, a Alemanha tem uma frota de 350 Puma e garantiu o financiamento para mais 229 veículos depois da invasão da Ucrânia pela Rússia. Lambrecht indicou que os Marder vão substituir, "até novas indicações", os Puma na força da Aliança Atlântica. "A NATO, os nossos aliados, podem contar a 100% com o compromisso feito pela Alemanha", disse a ministra numa visita à Eslováquia.

A oposição conservadora da CDU fala de um "pesadelo", com o líder do grupo parlamentar, Johann Wadephul, a dizer à ARD que "o Puma é suposto ser a principal arma do Exército alemão" e que "se não está operacional, o Exército não está operacional".

Já o deputado Henning Otte, que faz parte da Comissão de Defesa do Bundestag, disse que este "golpe devastador" representa um "fiasco para a capacidade de defesa" da Alemanha e para a ministra. E pediu uma análise rápida da situação, querendo saber se o problema foi a falta de manutenção dos veículos ou se é um problema de fundo ou dos exercícios que foram feitos.

Mas há quem, dentro do Partido Social-Democrata do chanceler Olaf Scholz, aponte o dedo aos anos de governo conservadores. O deputado Wolfgang Hellmich, que também está na Comissão de Defesa, indicou que os problemas são o resultado de "uma economia de escassez que cresceu ao longo de muitos anos e sem rumo político, sob a égide da CDU." A atual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, foi uma das ministras conservadoras da pasta.

Há muito que há queixas dentro das Forças Armadas, com a Deutsche Welle a dizer que nos últimos anos tem havido denúncias de tanques e helicópteros que precisam de reparação, armas que não funcionam em tempo quente ou falta de equipamentos térmicos para o frio. Há também notícias de que a Alemanha só tem munições para dois dias de guerra intensa, quando as exigências da NATO é que conte com pelo menos 30 dias de munições armazenadas.

Depois da invasão da Ucrânia, o chanceler alemão anunciou a Zeitenwende, uma mudança de era em matéria de política de defesa, quebrando os últimos tabus da II Guerra Mundial - enviando pela primeira vez armas para um país em guerra, a Ucrânia, e duplicando o orçamento de Defesa. A promessa de Scholz é chegar aos 2% do PIB há muito exigidos para todos os parceiros da NATO, tendo também anunciado um fundo especial de cem mil milhões de euros para modernizar as Forças Armadas.

Mas entretanto, Berlim já disse que não vai atingir essa meta dos 2% em 2022 e provavelmente também não em 2023, com os especialistas a dizerem que seriam precisos 20 a 30 mil milhões de euros só para repor as munições aos níveis exigidos pela NATO - não sendo claro se a indústria de defesa conseguirá dar resposta a esse pedido, numa altura que outros países enfrentam o mesmo problema. Entretanto, a Alemanha vai comprar dezenas de caças F-35 aos EUA, gastando 13 mil milhões de euros, apesar de o próprio governo temer atrasos e o eventual aumento de custos.

susana.f.salvador@dn.pt

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