Khomeini na Air France, a fuga de Teerão e memórias da Revolução Islâmica

O ayatollah Khomeini regressou ao Irão a 1 de fevereiro de 1979. O xá já tinha fugido. Vindo de Paris, num avião da Air France, acompanhado por 150 jornalistas, tinha quatro milhões de pessoas à sua espera no aeroporto. Veja como é que o DN reportou a primeira semana da Revolução Islâmica.
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Assinala-se esta sexta-feira os 40 anos da Revolução Islâmica no Irão porque foi a 1 de fevereiro de 1979 que o ayatollah Ruhollah Khomeini regressou ao seu país natal após 14 anos no exílio. Sobretudo no Iraque, em Najaf, mas depois de ter sido daí expulso por Saddam Hussein, o líder muçulmano xiita passou pela Turquia e, por fim, por França.

No entanto, a onda de descontentamento tinha começado há muito, pelo menos desde outubro de 1977, tendo-se intensificado em janeiro de 1978. O xá Reza Pahlevi, monarca secular apoiado pelos EUA, no poder desde 1941, fugira do Irão a 16 de janeiro de 1979. Deixou no seu lugar um conselho de regência liderado por Shapour Bakhtiar. Seria sol de pouca dura e, durante a tarde de 11 de fevereiro de 1979, o regime provisório não-islâmico colapsaria. O controlo do país passou efetivamente para as mãos do ayatollah Khomeini.

Quando questionado sobre o que sentia ao regressar ao Irão, ainda no avião, respondeu: "Nada". O homem que um dia comparou a democracia à prostituição, segundo o New York Times e, em 1979, foi a personalidade do Ano para a Time, empreendeu uma reforma no Irão à luz da lei islâmica - a sharia. Khomeini morreu, dez anos depois, com 86 anos. O seu sucessor e atual líder Supremo do Irão é o ayatollah Ali Khamenei. Aqui pode recordar como o DN, jornal com 154 anos, noticiou a Revolução Islâmica na semana do regresso de Khomeini ao Irão.

1 de fevereiro de 1979
Khomeini voltou na Air France acompanhado por 150 jornalistas

A 30 de janeiro de 1979, na página 4, o DN dava conta de que a incerteza sobre o futuro do Irão suscitava preocupações a nível mundial. "Uma aliança do integralismo muçulmano encarnado pelo ayatollah Khomeini com o marxismo faria, certamente, correr grandes riscos a economia mundial.

No dia 31, na página 5, titulava: "O Governo de Bakhtiar autoriza regresso do "ayatollah" Khomeini" e "Estados Unidos vão supervisionar processos de desestabilização". A notícia dá conta de que os funcionários norte-americanos dispensáveis e seus familiares deveriam deixar Teerão depois de reaberto o aeroporto. E ainda que um dos filhos do primeiro-ministro Bakhtiar tinha fugido há quase uma semana, de Teerão para Paris, mesmo estando proibido todo o movimento aéreo internacional na capital iraniana.

No dia 1 de fevereiro, na primeira página do jornal, que então tinha como diretor Mário Mesquita, lia-se: "Avião de Khomeini deverá chegar esta manhã ao aeroporto de Teerão". O líder xiita, precisa a chamada de capa, viajou a bordo de um avião da Air France acompanhado por uma comitiva de 150 jornalistas. O Jumbo levava combustível suficiente para regressar à origem - Paris - caso houvesse algum impedimento para aterrar em Teerão. Dando conta de grande tensão na cidade, a notícia descreve o ambiente, em cada um dos lados da barricada. "Enquanto milhares de iranianos se reuniam nas ruas, manifestando a sua alegria pelo anunciado regresso de Khomeini, as forças armadas organizaram uma aparatosa parada militar, que integrava elementos da guarda imperial, fanaticamente dedicada ao xá".

2 de fevereiro de 1979
Quatro milhões à espera do ayatollah no aeroporto de Teerão

"Khomeini anuncia formação iminente de 'governo revolucionário' islâmico". Foi este o título da primeira página do DN do dia 2 de fevereiro de 1979. O texto precisa que a proclamação de uma república islâmica acontecerá dentro de dois ou três dias. No discurso de 40 minutos que fez, o líder islâmico acusou o xá de ter arruinado a economia iraniana, condenando a compra de armas ao estrangeiro e a "cedência de bases a potenciais imperialistas".

Na página 5 dessa mesma edição do dia 2 de fevereiro, é relatado, em detalhe, o discurso de Khomeini e relatado que havia "quatro milhões de iranianos à chegada de Khomeini" a Teerão. Chegada apoteótica, conta-se, acompanhada de gritos de "Alá é Grande" e "Queremos a República Islâmica" e um percurso realizado em "jeep" aberto. "Durante mais de 50 anos o país esteve abafado. Ninguém tinha o direito de falar contra o regime. Sou eu quem vai agora nomear um governo. Atingirei este governo em pleno rosto. Submeterei toda essa gente a julgamento em tribunais formados por mim", disse Khomeini, no discurso citado na notícia publicada nesse dia pelo DN.

3 de fevereiro de 1979
Khomeini recusa encontrar-se com sucessor do xá e aceitar lugares no governo

Neste dia, numa segunda edição, na primeira página do DN lê-se: "Adeptos de Khomeini no Governo é hipótese encarada por Baktiar" mas só "se forem pessoas de nível internacional". Esta hipótese fora admitida por Shapur Baktiar em entrevista a uma cadeia de rádio francesa. Khomeini recusou a oferta de lugares e também encontrar-se com Baktiar. No interior do jornal, na página 5, secção Internacional, conta-se que milhares de pessoas esperam para ver o ayatollah junto ao edifício onde este escolheu estabelecer o seu quartel-general em Teerão.

5 de fevereiro de 1979
Irão cancela compra de armas aos EUA

Na edição do dia 5 (no dia 4 o jornal não saiu porque durante algum tempo não saía ao domingo) noticia-se na página 5: "O governo iraniano do primeiro-ministro Shapour Bakhtiar anulou a maior parte das encomendas de armas norte-americanas feitas pelo xá, segundo informa o «Washington Post», nas suas edições de ontem".

A notícia precisa, nos parágrafos seguintes, que: "O Gabinete de Bakhtiar decidiu não ir para a frente com encomendas num valor global de oito a dez mil milhões de dólares (entre 360 e 450 milhões de contos) devido às dificuldades financeiras que enfrenta, designadamente a suspensão de exportações de petróleo".

6 de fevereiro de 1979
Militares passam-se para o lado de Khomeini


Na capa do jornal de dia 6, que então tinha como diretor-adjunto Dinis de Abreu, dá-se conta da nomeação de um governo provisório no Irão por parte do ayatollah Khomeini. "A prova de força no Irão entre Shapur Bakhtiar e o ayatollah Khomeini parece estar a entrar na sua fase decisiva, após este último ter nomeado, ontem, um Governo Provisório chefiado pelo dr Mehdi Bazargan, um perito em assuntos petrolíferos, para se opor ao governo do primeiro-ministro nomeado pelo xá antes deste abandonar o país, no mês passado", lê-se no primeiro parágrafo da notícia do DN, notando que Bazargan e Khomeini deram uma conferência de imprensa conjunta a declarar a "autoridade do islamismo" como "alicerce legal" do governo provisório.

Bazargan disse "não temer" a ordem de prisão anunciada por Bakhtiar contra si, se formasse um "regime alternativo", enquanto que Khomeini declarou que "a oposição a este Governo será considerada oposição à lei islâmica e o castigo será muito severo". Por esta altura, diz uma notícia mais desenvolvida, na página 5, Khomeini já tinha conquistado o apoio de milhares de oficiais militares. "Cerca de cinco mil oficiais foram afastados das Forças Armadas ou demitiram-se em protesto contra a política do xá desde a queda do Governo Mossadegh em 1953, As fontes disseram que a vasta maioria era a favor do ayatollah porque este era contra o xá, embora não partilhasse necessariamente a sua ideologia".

Primeiro-ministro do Irão, entre 1951 e 1953, Mohammed Mossadegh foi demitido pelo xá em agosto de 1953, instigado pela CIA. Isso provocou uma vaga de revoltas populares, obrigando o xá a fugir, momentaneamente, para Roma. Mossadegh permaneceu no cargo, até 19 de agosto desse ano, quando foi afastado por um golpe do general Fazlollah Zahedi. Detido, foi condenado a três anos de prisão, tendo vivido em prisão domiciliária até à sua morte, vítima de cancro, em 1967. A 22 de agosto, o xá regressava de Roma.

7 de fevereiro de 1979
Irão reconhece palestinianos e maioria negra da África do Sul


Nesta quarta-feira o DN fez novamente uma segunda edição e, na capa, titula: "Irão abandona a Cento". A Organização do Tratado Central foi uma aliança militar fundada em 1955 pelo Irão, Iraque, Paquistão, Turquia e Reino Unido, dissolvida em 1979.

"O governo iraniano anunciou o abandono do pacto militar Cento e uma alteração da política externa do Irão relativamente a Israel, com o reconhecimento da nação palestiniana, e à África do Sul, dando o 'apoio à maioria negra dessa país'.

Num artigo maior, na edição deste dia 7, na página 4, dá-se conta de que a URSS é favorável a Khomeini. "A imprensa soviética apresenta em termos favoráveis a nomeação pelo ayatollah Khomeini de Mehdi Bazargan como chefe do Governo Provisório. Para o órgão do Partido Comunista Soviético - «Pravda» - o programa do ayatollah Kohmeini apoiado pelas 'massas populares' visa reforçar a independência nacional e rejeitar a influência militar, económica e política dos Estados Unidos".

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