Os primeiros 10 anos da orquestra que muda o resto das suas vidas
"Nunca pensei que chegássemos a este nível. Miúdos que eu conheci há 9, 10 anos terem dado um pulo e tido a evolução que fizeram!" Quem assim fala é António Wagner Diniz, fundador e coordenador do Projeto Orquestra Geração, que não se cansa de definir como "um projeto de intervenção social através da música".
Hoje e amanhã, a formação mais avançada do projeto junta-se à Orquestra Gulbenkian para dois concertos, em Loures e Almada, que marcam o início das comemorações do 10.º aniversário do programa - "vamos estender a 2018, pois começámos no ano letivo 2007/08".
Mas quando faz balanços, Wagner Diniz não se limita ao nível artístico da sua "orquestra-almirante": "Bati-me sempre por avaliações externas e elas provam o que conseguimos fazer", pois, como diz, "a excelência que ali é comprovada é o nosso melhor cartão de visita". Isso mesmo mostra o livro a apresentar no dia 10, no Conservatório Nacional, fruto de um estudo de avaliação do Instituto Politécnico do Porto.
Quando nasceu, em 2007, o modelo, então como agora, foi o sistema venezuelano de orquestras juvenis, conhecido por El Sistema. E desde logo teve o apoio das duas principais figuras do Sistema: o fundador José António Abreu e o maestro Gustavo Dudamel, o qual, em recente entrevista ao DN, dirigiu palavras bem elogiosas ao projeto português: "É muito gratificante ouvi-las. O Dudamel foi à escola pioneira, a Miguel Torga (Amadora), logo em 2008 e "dirigiu" os miúdos no Hino à Alegria. Agora, quando ele esteve na Gulbenkian em setembro, a Orquestra foi lá encontrar-se com ele e alguns dos miúdos ainda se lembravam desse momento!"
Hoje, o Projeto Orquestra Geração está presente em 20 escolas da Grande Lisboa e Coimbra (quase todas em meios desfavorecidos e com presença forte de minorias étnicas), abrangendo cerca de mil crianças, ensinadas por mais de 70 professores. O processo inicial é assim: "Vai um professor à escola falar do Projeto, tocar e mostrar o instrumento, deixa fichas de inscrição e pede ao/à Diretor(a) de Turma que faça divulgação e os interessados inscrevem-se. Não há qualquer teste nem seleção inicial. As crianças podem sair do projeto, voltar ao projeto, mas enquanto lá estão têm que cumprir", diz-nos Wagner Diniz. O responsável admite "um abandono de 20-30% nos anos iniciais, o que gera um certo corrupio, mas quando se dá a fidelização, nunca mais abandonam". E ele, que conhece crianças desde a primeira hora, exemplifica: "dois miúdos muito reguilas, que nos "deram água pela barba" no início, e que hoje são ótimos músicos!"
Apenas uma ilustração dos "indicadores" que vê comprovados nas crianças e adolescentes que integram o projeto: "a música fortalece o espírito de grupo, aumenta a sua capacidade de concentração, mantém-nos na escola, promove o sucesso escolar e aumenta a sua auto-estima". Mais, "gera-se uma relação de respeito, confiança e afeto com os professores, aprendem a responsabilizar-se e desenvolvem o brio e o espírito autocrítico", como já comprovou nalguns concertos. Quebra-se assim nestes meios o "círculo vicioso da desistência" e introduz-se o círculo virtuoso do prazer: "Toquei, gostei e quero repetir".
"Generalizar este método de ensino da música a todo o país" é um dos sonhos de Wagner Diniz, algo que, porém, "deve ser iniciativa do Ministério: está provado que este modelo funciona e resulta. Porque não aplicá-lo nas escolas, do 1.º ao 9.º anos de escolaridade?" A resposta, diz, "está mais numa indispensável mudança de mentalidade das nossas classes dirigentes e na forma como vêem a música e as artes em geral no sistema educativo". E aí, algures no futuro, "poder-se-ia criar um Sistema Nacional de Orquestras Escolares". Do lado da Geração, já há uma Orquestra Regional e algumas orquestras Municipais, que este responsável coloca à "disposição" das câmaras: "Por exemplo, a Orquestra da Amadora já poderia à vontade ter uma temporada. Se fosse planeado com antecedência, seria fácil. E imagine o orgulho dos miúdos!"
Avanços mais imediatos são "um programa de bolsas mensais para prossecução de estudos, e um programa de formação em atividade de professores. Depois, vamos avançar para mais uma escola em Loures, mais uma em Lisboa e vamos começar a trabalhar com a Misericórdia de Lisboa, no asilo da Mitra".
E até exportá-lo, pois, diz, "isto é material de cooperação excelente! Já tivemos um projeto pronto a ser implementado em Cabo Verde, que adaptava tudo à música cabo-verdiana, mas que depois caiu por mudanças políticas. É um programa ótimo para países com muita juventude ou onde seja preciso juntar povos e etnias". As ligações ao estrangeiro também estão a desenvolver-se, apesar da "falta de "massaroca"": "fazemos parte da Direção do Sistema Europa, que agrega projetos similares em Itália, Reino Unido, Suécia e Áustria, e queremos consolidar a ideia de uma Orquestra Europeia do Sistema". Outro vetor é a mobilidade: "a formação de professores: nossos a ir lá, outros a virem cá - e já vieram da Inglaterra, da Suíça, da Sérvia; e miúdos nossos a irem servir como monitores, como já aconteceu com a Inglaterra".
Saídas da Orquestra? "Há um projeto de irmos a Paris, vamos ver. Mas seria ótimo organizar com os colegas ingleses um concerto em Londres! Ou através da UE, irmos a Bruxelas; ou agora com a ONU, irmos a Nova Iorque!", completa, entre sorrisos. Hoje, não é certa a presença do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa: "convidámo-lo e ele deu o seu Alto Patrocínio, mas ainda não sabemos se virá... Ele ainda só viu pequenos grupos do Projeto, falta-lhe o impacto da Orquestra!"
Orquestra Gulbenkian + Orquestra Geração
Loures, Pavilhão Paz e Amizade, hoje, 21.00
Almada, Teatro Municipal Joaquim Benite, amanhã, 17.00
maestro: Ulysses Ascanio
solistas: Jeremy Lake (Orq. Gulbenkian) e João Pedro Gonçalves (Orq. Geração)
obras de Shostakovitch, Freitas Branco, Vivaldi, Rossini, Saint-Saëns e Ginastera
Entrada livre sujeita à lotação dos espaços