Os populismos não têm lugar na Europa
A realização de eleições gerais periódicas é um elemento necessário dos sistemas democráticos, mas de modo algum suficiente. Basta ver as maiorias esmagadoras que confirmam no poder os governos dos regimes autoritários como os do Médio Oriente ou da Rússia de Putin. Com os referendos acontece o mesmo. Desde Bonaparte, que o usou como meio de consolidação do seu poder pessoal para passar do Diretório ao Consulado e deste ao Império, o referendo tem sido, com demasiada frequência, o truque que permite revestir com a aura do apoio popular a decisão mais benéfica para o grupo que ostenta o poder a cada momento.
A União Europeia e a Grécia chegaram a um acordo que evita para já a saída do país do euro em troca de um pacote implacável de reformas. Resta ver se o Parlamento de Atenas vai pôr em marcha um programa que é o contrário daquele que levou o Syriza ao poder e se a opinião pública vai aceitar pacificamente um cenário tão diferente do que sugeria o "não" com que os gregos se pronunciaram maioritariamente no referendo sobre as contrapartidas exigidas pela troika. Nos últimos dias têm-se sucedido as manifestações em Atenas como o eloquente lema: "Não foi para isto que votámos não." E há que reconhecer que os manifestantes têm toda a razão. Foram objeto de um engano em massa. Mas é isto que acontece com os populismos. Prometem um paraíso que na realidade encerra um inferno.
Tsipras declarou também que o referendo iria reforçar a sua posição negociadora com Bruxelas e o malogrado Varoufakis prognosticou que, solucionado o transe, o acordo seria rápido e mais vantajoso. Mas a verdade é que o apostador de Atenas obteve o efeito exatamente contrário. Destruiu a confiança dos parceiros em Tsipras, que acabou por aceitar umas condições inescapáveis e draconianas. Depois de um mês de negociações esgotantes, a Europa quer resultados tangíveis. E quere-os agora. O corte nas pensões, a subida do IVA e as privatizações terão de ser implementados de imediato. Além do mais, a UE obrigou à constituição de um fundo com ativos gregos no valor de 50 000 milhões em modo de aval do terceiro programa de resgate que terá de ser negociado em breve com um montante que poderá ultrapassar os 80 000 milhões.
Tsipras deverá adotar também medidas destinadas a flexibilizar o mercado laboral e a liberalizar os setores económicos, agora manietados pela intervenção pública. Estas reformas são imprescindíveis para resolver o principal problema da Grécia, que não é o de uma dívida que vence em prazos cómodos e com umas taxas de juro sustentáveis, mas antes o da incapacidade do país para crescer, criar postos de trabalho e gerar rendimentos fiscais. Mas são as políticas opostas às que elegeram o Syriza e catapultaram o seu líder, após mobilizar milhares de gregos que acreditaram a pés juntos que havia uma maneira diferente de governar o país. Tsipras queria aumentar a proteção legal dos trabalhadores, reforçar a mediação sindical no mercado de trabalho e voltar a estatizar a economia. A capitulação dele deveria desembocar na sua saída do governo. Mas a essência do populismo, neste caso de cariz leninista, é ocupar e manter o poder a todo o custo à espera de que chegue o tempo oportuno para fazer a revolução. A dignidade e a honestidade pessoal são conceitos fluidos e em todo o caso burgueses.
A atitude de firmeza adotada pela UE nas horas finais da negociação é irrepreensível. Foi feita justiça com aqueles países como os bálticos - mais Eslováquia e Eslovénia -, que depois de se libertarem da ditadura soviética tiveram de sofrer o duplo ajustamento da transição para uma economia de mercado e da estabilização consequente à crise da dívida e que não teriam compreendido um tratamento de favor à Grécia. Na mesma situação encontravam-se a Irlanda e Portugal, que recuperaram depois de cumprir as condições dos seus resgates, com fortes doses de sofrimento e austeridade, ou Espanha, que em troca dos 40 000 milhões de empréstimo empregados no saneamento do sistema bancário teve de aceitar um severo plano de ajustamento fiscal e de reformas graças ao qual encabeça agora o crescimento da zona.
Não há dúvida de que o medo de uma saída do euro, que teria acarretado a falência do sistema de pensões e da Segurança Social, além de um empobrecimento intenso com uma desvalorização intensa do novo meio de pagamento a que estava destinado o país, fez mossa no ânimo de Tsipras. Mas resta saber como se desenrolarão os acontecimentos nos próximos dias. O Syriza ganhou as eleições com o argumento, abençoado pelos gregos, de que existe uma política alternativa que passa por pôr fim à austeridade e estatizar a economia. Nos últimos meses voltou a contratar uma boa parte dos funcionários despedidos por Samaras, pôs de novo a funcionar a televisão pública e não adotou uma única medida para diminuir uma despesa pública que tem um peso sobre o PIB muito superior à média da UE, nem para acabar com o Estado clientelar e corrupto que impede o desenvolvimento do setor privado. As tarefas que há pela frente para ativar a economia grega, massacrada por Tsipras durante estes seis meses, são colossais. Mas a experiência grega terá valido a pena se passar claramente a mensagem de que as políticas populistas não têm lugar na União. Alguns observadores divergem. Pensam que a humilhação infligida por Merkel exacerbará a desafeição pela união monetária e avivará o apoio aos movimentos alternativos. Eu penso o contrário. Creio que a derrota de Tsipras é um aviso à navegação que postula políticas semelhantes na Europa, como é o caso do Podemos em Espanha, e daqueles que as apoiam com a ideia de que esse apoio não tem um preço a pagar. Está visto que não é verdade.