"Os políticos estão treinados para mentir sem que se note demasiado"
O que a levou a escrever um livro sobre a mentira?
Estava preocupada com a incapacidade que muitas pessoas mostram para detetar as suas próprias mentiras e as dos outros. Isto pode estar relacionado com grandes doses de ingenuidade ou com a ausência de alertas perante o engano. O problema é que isso pode condicionar-nos e tornar a nossa existência mais amarga.
Porque é que mentimos?
Em geral, as pessoas mentem quando pensam que ganham algo em fazê-lo, mas também quando acreditam que é uma forma de evitar uma advertência, uma repreensão ou uma sanção. Podemos dizer que mentimos por hábito, para nos protegermos; para agradar aos que nos rodeiam, obter benefícios, melhorar a nossa imagem; mentimos por insegurança; às vezes mentimos por amor; para ser educados e diplomáticos; para esconder alguma coisa que fizemos de errado. Mentimos, muito frequentemente, para enganar, manipular e nos aproveitarmos dos outros.
Há uns que mentem mais do que outros? Que características têm?
Sim. Há pessoas que mentem muito e há outras que mentem pouco, sendo este registo relativamente normal e saudável. Os que mais mentem são aqueles que têm um fundo de insegurança e insatisfação, que os leva a distorcer a realidade. Também mentem mais as pessoas egoístas, manipuladoras, invejosas, narcisistas, maquiavélicas e com altos níveis de psicopatia.
É possível viver sem mentir?
Parece impossível viver sem mentir. A mentira pode ser uma defesa necessária num mundo como o atual, cheio de armadilhas e obstáculos. Além disso, temos as mentiras sociais, que fazem parte do que entendemos por vida civilizada. Imaginemos um mundo onde todos dizíamos a verdade constantemente e sem exceção. Isso seria insuportável e até perigoso. Há um tipo de mentiras que contribuem para uma convivência razoavelmente pacífica. O mal ou o indesejável são mentiras para obter vantagens que não merecemos; as mentiras no trabalho, com os colegas, com os amigos, com a nossa família... E as mentiras dirigidas a nós mesmos.
Estamos conscientes de todas as mentiras que dizemos?
Algumas pessoas não têm consciência de que mentem. São pessoas que se autoenganam para não aceitar a sua própria realidade. Este autoengano acontece quando há uma má interpretação da realidade ou quando se ignoram determinadas evidências que contradizem aquilo em que se deseja acreditar. Podemos fazê-lo para nos defendermos de nós mesmos, para nos sentirmos mais valiosos, mais inteligentes, mais habilitados ou melhores do que somos, ou para nos protegermos nas nossas relações com os outros. Neste casos, estamos perante mentirosos compulsivos, que chegam a acreditar nas suas próprias mentiras
A maior parte das mentiras que ouvimos passam despercebidas?
Sim, mais de 50% das mentiras passam despercebidas, embora algumas não nos afetem nem direta nem gravemente. Por exemplo, sabemos que os políticos mentem muito, mas como estamos habituados e temos consciência disso não deixamos que nos afetem demasiado (outra questão é como elas afetam uma nação inteira).
Como podemos evitar cair nas mentiras dos outros?
A maior parte das mentiras não são reconhecidas ou detetadas. Isto deve-se, por um lado, à dificuldade intrínseca em perceber sinais de alerta e, por outro, ao facto de as pessoas terem uma tendência natural para entender a mensagem como certa. Geralmente, para perceber as mentiras, podemos usar evidências físicas como a linguagem corporal ou o tom de voz. Também ajuda ter uma boa autoestima e segurança em si mesmo, o que nos faz ser mais curiosos perante um alegado mentiroso.
No amor há alguns truques para saber se nos estão a mentir?
Melhor do que truques, podemos falar de sinais que nos podem indicar que nos estão a mentir. Os psicólogos sabem que nas relações entre casais se mente desde o princípio. A maioria das pessoas estão dispostas a mentir num primeiro momento. Mas uma coisa é o flirt inicial, essa espécie de jogo para tentar impressionar o outro, outra muito diferente é a mentira sistemática na relação. A pessoa envolvida é a que menos deteta os sinais de que o outro está a mentir. Geralmente, é alguém de fora que se dá conta e ativa os alertas.
E na política?
Os políticos estão treinados para mentir sem que se note demasiado. Por isso, é aconselhável confirmar dados em diferentes fontes, evitar a aceitação acrítica dos seus argumentos, detetar as contradições entre o que dizem e o que fazem e, acima de tudo, ter cuidado com aqueles que prometem soluções rápidas e simples para problemas complexos. E, claro, observar a sua linguagem corporal.