Os políticos e as marcas

Carlos Coelho, especialista em marcas, analisa os candidatos presidenciais.
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Por mais que custe aceitar aos fundamentalistas da razão, as escolhas que fazemos resultam tanto da qualidade percebida quanto da qualidade intrínseca. Quero com isto dizer que, no nosso juízo de valor, a forma condiciona a perceção do conteúdo, tornando a embalagem uma parte intrínseca da nossa ideia de realidade. Assim sendo, os aspetos aparentemente supérfluos como a imagem, a estética e a capacidade de comunicação e de estabelecer uma relação empática e emocional, são elementos essenciais para a valorização ou desvalorização de um produto ou de um serviço. É assim que julgamos as coisas e assim que julgamos as pessoas; somos seres humanos racionais, mas somos acima de tudo seres de sentimentos. Ao invés de dispormos de folhas de cálculo mentais que nos permitiriam processar todas as razões, somos seres de juízos subtis que nos permitem sentir e processar todas as emoções.

É neste enquadramento que publico uma pequena e bem-disposta reflexão sobre as marcas da nossa democracia. As que concorrem para presidir Portugal. São seis portugueses, dos quais duas corajosas portuguesas, que reuniram as condições para tornar pública a sua vontade de serem escolhidos para o mais alto cargo da nação, e um sétimo candidato que se propõe ser eleito, quase sem campanha, para o seu segundo mandato.

Proponho-me aplicar a todos um olhar marquista, como se de uma montra política se tratasse, onde os candidatos são marcas e nós consumidores tivéssemos de fazer uma escolha, como no dia-a-dia fazemos tantas outras.

Gostemos ou não, vivemos numa sociedade de marcas; tudo, ou quase tudo, são marcas: as coisas, as causas, os territórios, as pessoas e, neste caso, os políticos. Espero que com este exercício, descomprometido de interesses partidários, possa de alguma forma ajudar a caracterizar as "marcas" que se propõem governar a Marca de Portugal.

Marcelo é uma marca líder, cheia de si própria e da sua dominante quota de mercado. Tem um defeito raro, tende para deus: está acima de todas as outras; uma marca obsessivamente diplomata que discorda, concordando. Uma marca que tem o comportamento social do Batman e o sorriso e a inteligência do Joker. Uma marca provedora, sempre presidencial, quase poética, que finge tão completamente que chega a fingir que é concorrência a concorrência que deveras não sente.

Se fosse uma bebida seria a Coca-Cola. Uma bebida energética que se foi atualizando, evoluiu, mantendo-se sempre jovem. Está em todos os lugares, do mais modesto ao mais sofisticado, e tem quase todos os propósitos: refresca, traz felicidade, alivia a ressaca, e até desenferruja metais. É sem dúvida a mais popular e preferida bebida dos portugueses. Se fosse um animal seria um canguru de porte sobranceiro e atento, que salta de lugar em lugar com uma agilidade invulgar; e com uma bolsa marsupial e paternalista, onde guarda a esquerda e a direita para seguir em frente.

É uma marca mulher, de armas e bagagens europeias, ideia que já foi contra, mas que agora se sente empossada de uma força maior, e que descreve como se de uma missão quase divina se tratasse. Embutida de batom e de princípios bem marcados, repetente e convicta, veio para ficar, ainda que com uma quota de mercado reduzida.

Se fosse uma bebida seria o Martini Rosso. Não se podia comprar em Portugal antes do 25 de Abril. Fez o seu caminho glamoroso pelas elites e acabou por conquistar um mercado mais alargado, fixando-se como uma bebida popular nas tascas de Portugal. Neste trajeto ganhou notoriedade mas perdeu foco, sendo hoje uma bebida melhor no estrangeiro do que em Portugal. Se fosse um animal seria uma lontra que gera uma empatia imediata, mas que na verdade não é dócil. Apresenta uma dentição forte, muito afiada, e o seu corpo é impermeável, permitindo-lhe resistir a quase todos os impactos do meio ambiente.

Uma marca com um crescimento exponencial, que produz e partilha informação de uma forma inteligente e polémica, e que a usa como forma de incendiar a sua notoriedade, mas que por vezes é perigosamente útil para ser usada contra si. Uma marca autointitulada de "mazona", que diz muitas verdades e pretende ser uma voz do descontentamento. Uma marca bispal, "palavróloga" de uma igreja universal das verdades. Uma marca "tu-cá-tu-lá" com a Constituição: "Esta Constituição permite tudo para quem não quer fazer nada." Uma marca autoritária, que visa uma ditadura das pessoas de bem, que fez escola na CMTV e que corta a direito parasitas, ciganos e ladrões. Uma marca assertiva e argumentativa do seu e o do seu contrário.

Se fosse uma bebida seria uma Aldeia Nova renascida, uma bagaceira forte e barata que retoma a tradição do mata-bicho num gole, mas que deixa a garganta toda arranhada. Se fosse um animal, seria um misto de realidade e ficção, muito bem falante e tentador, como o Lobão das fantasias de Pinóquio.

Uma marca forte nas convicções, mas fraca na comunicação. Lenta, classista e professoral, é uma marca velejadora nas ambições mas quase sarcástica; está sempre de sorriso cerrado e maxilar inferior adiantado, onde a embalagem (fato) parece sempre um número acima do conteúdo. Uma marca pretensamente disruptiva, que quer que Portugal seja um puzzle de modelos europeus de sucesso. Se fosse uma bebida seria certamente um Porto, mistura de terroir do Douro com uma família inglesa, tempo de maturação jovem e afinado de boca, mas que precisa de tempo para ser degustado.

Se fosse um animal seria um invulgar pinguim, talvez azul, com porte distinto e clássico, de andar emproado e assertivo, e de comportamento frio e distante. Uma ave, de asa curta mas de grande agilidade marítima, fundamental para identificar mudanças (climáticas e outras). Um animal fiel para a vida, que vive em grandes comunidades, aparentemente, muito liberais.

Uma marca desgravatada, que não sabe dar o nó quando se veste à presidente. Uma marca abrilista, empoderada de um Portugal por cumprir.

Uma marca herdeira dos prisioneiros do fascismo, idealista dos direitos do povo. Uma marca ainda jovem, mas acinzentada, morna e que ferve muito lentamente. Uma marca negacionista dos desaires do comunismo internacional.

Uma marca conservadora e trabalhadora, mas insegura do seu mercado.

Uma marca que está a fazer o seu caminho de olhos bem abertos para o seu destino, mas com os olhos fechados para tudo mais.

Se fosse uma bebida, seria um Johnny Walker. Um whisky despretensioso, sem idade nem recomendação para juntar gelo. Uma bebida acessível para beber devagar e refletir sobre os caminhos em que se acredita e que não deram certo. Se fosse um animal seria um urso europeu, em vias de extinção no centro e sul da Europa, mantendo-se ativo na Rússia. Um animal solitário capaz de gerar ternura ao longe e temor ao perto.

O Vitorino é uma marca cheia de lata. Um Bom Petisco de sardinha e caviar (ou ovas de peixe) que mantém viva a tradição conserveira, e senta-se à mesa com todos os portugueses. Uma marca simples, que faz o caminho das pedras. Uma marca de esquerda às direitas, que escreve as suas ideias num caderninho, e as guarda num saco azul da IKEA. Uma marca que conhece a temperatura do país e que é uma espécie de aprendiz de Agostinho da Silva, que para cada argumento tem uma lição de filosofia popular.

Se fosse uma marca de bebidas, seria talvez a Água das Pedras. Uma marca transparente, verdadeira e cheia de gás de nascente natural do norte de Portugal. Uma água que começou popular e digestiva, e que aos poucos, falando para o povo, conseguiu conquistar algumas elites.

Se fosse um animal seria um patusco cão rafeiro fiel ao seu dono, amigo, conhecedor de todas as calçadas e com quase todas as virtudes, exceto as que lhe conferem o pedigree que o impede de entrar em concursos onde o LOP é condição indispensável.

É uma marca embaixadora de Portugal no mundo. Fez o seu caminho ao lado das marcas líderes do passado, das quais teve de se demarcar e com as quais não pode contar no presente para aumentar as suas vendas. Sempre denunciadora dos males da sociedade, é uma marca honesta, frontal, e sem papas na língua. É uma marca prudente, astuta, mas lenta na defesa e no ataque. É uma marca madura, que não gosta de coroações, mas que está sempre distintamente vestida, como se fosse uma eterna convidada, marca rainha dos alfinetes de peito. É a marca com um design mais contemporâneo mas desalinhado com tudo mais.

Se fosse uma bebida sem dúvida que seria um distinto anis, mel de damas, servido em copo de finíssimo cristal, para uma conversa de fim de jantar ou de fim de tarde, numa tertúlia de muitos passados e de alguns futuros, uns mais doces do que outros.

Se fosse um animal era uma raposa velha, astuta, que não se assusta nem com lobos nem com os donos das terras, e que sabe sempre denunciar onde está o pilha-galinhas que rouba o galinheiro inteiro.


Especialista em marcas.

Presidente da Ivity Brand Corp

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