Os podcasts como fórmula de conhecimento: de Kamala à Antena 2
Depois dos livros, chegou a hora de os podcasts serem os nossos melhores amigos? Na semana passada, trouxe aqui o programa diário A Ronda da Noite, sobre livros e cultura, na Antena 2, mas neste agosto descobri as Grandes Batalhas da Antiguidade, também da Antena 2 (RTP Play ou Spotify). São 13 pérolas radiofónicas escritas pelo historiador Paulo Nazaré Santos e que vão desde a Batalha de Kadesh (1274 a. C.) até à Batalha dos Catalaúnicos (451 d. C.). A escrita de Paulo Nazaré Santos é absolutamente deslumbrante na criação das atmosferas e cenários de guerra enquanto a narração do João Almeida e a sonoplastia de Tomás Anahory são primorosas. Uma obra-prima da nossa cultura.
João Almeida é o diretor da Antena 2 e grande responsável pela presença destas maravilhas em emissão. Da minha passagem pela RTP guardo dele, e da Teresa Paixão (diretora da RTP2), das melhores recordações pessoais e profissionais, além de uma claríssima visão sobre o que é o serviço público de televisão e rádio, apesar dos limitadíssimos recursos orçamentais de ambos.
Seria exaustivo falar aqui de tantos conteúdos radiofónicos da Antena 2 disponíveis no RTP Play e alguns deles no Spotify. Há um, no entanto, que é incontornável: 914 emissões de Argonauta, de Jorge Carnaxide - em antena desde 24 de setembro de 2011. Um programa de música eletrónica com textos soberbos a acompanhar.
Para os temas mais informativos do quotidiano, o Today in Focus, do The Guardian, é provavelmente o melhor da manhã, já que o The Daily, do New York Times, não é publicado antes das 11.00. Basta ouvirem-se os 27 minutos de ontem do Focus sobre porque é o Reino Unido o segundo país da Europa mais atingido pela recessão económica e fica-se bem por dentro do problema enquanto se toma um pequeno-almoço ou se faz uma das viagens do dia. O mesmo se diga sobre os 30 minutos do NY Times de quarta-feira sobre Kamala Harris.
Há um outro podcast absolutamente extraordinário - o Guardian Long Reads -, com textos mais densos do jornal e cujos temas passam ao lado da imprensa portuguesa. É imperdível.
As grandes marcas nacionais de informação têm pouca capacidade de investimento em conteúdos originais e equipas próprias para podcasts. Mas há alguns programas que migram muito bem para versões áudio. No meu caso, por exemplo, ajudam-me a "ver" melhor televisão. Ou seja, ouço a Circulatura do Quadrado, Eixo do Mal ou Expresso da Meia-Noite nos dias seguintes. O mesmo com o Sem Moderação, da TSF/Canal Q, o Estado do Sítio na TSF, de Ricardo Alexandre, ou mesmo os Sinais, de Fernando Alves, também na TSF. São conteúdos que podem ser escutados a qualquer hora, em qualquer dia, sobretudo ao fim de semana - num passeio, numa viagem de bicicleta, etc....
Aliás, uma das coisas mais interessantes destes formatos é o poder estar-se na cozinha a preparar refeições e a ouvir Ted Talks Daily ou, para quem tem assinatura, deixar seguir a leitura semanal de toda a The Economist - um luxo caro mas que permite uma escuta de toda a revista através de uma app própria.
Outra opção, mais alternativa é, por exemplo, a Ilustríssima Conversa, da Folha de S. Paulo, com entrevistas a autores de livros de não ficção que conhecemos mal do lado de cá. Infelizmente, por força da covid-19, a Ilustríssima Conversa está parada até setembro, mas o espólio de entrevistas anteriores é riquíssimo. Destaco o programa de 10 de agosto do ano passado sobre "Da escravidão à ditadura - esquecimento é a marca do Brasil", com a professora da Universidade de São Paulo Giselle Buiguelman, e o de 21 de setembro sobre o mesmo tema - "Onde houver um ser humano, houve escravidão", do jornalista Laurentino Gomes.
Depois, há os podcasts portugueses que nasceram para o serem enquanto tal e, nesses, talvez o que vai mais fundo seja o Perguntar não Ofende, de Daniel Oliveira. Porque, curiosamente, o podcast não tem o compromisso obrigatório da "emissão" e pode ficar apenas fiel ao compromisso do registo "documento" e não à superficialidade da resposta contra o tempo.
E, por falar em ganho, nesta semana ganhámos a melhor notícia possível para os Estados Unidos: Kamala Harris. Apesar de gostar muito de Bernie Sanders, desde o primeiro momento da corrida democrata que a minha escolha era Kamala, porque ela fixava o eleitorado Obama e trazia maior potencial de vitória contra os republicanos. Foi dececionante a sua saída tão precoce, mas "George Floyd" trouxe-a de novo para o embate contra Trump.
É verdade que na política tudo é muito precário mas, a correr bem, Kamala é mulher para marcar os próximos 12 anos da vida norte-americana (se Biden não voltar a concorrer a um segundo mandato e ela for candidata a presidente).
Fixem o nome da senhora. Ela veio para ficar. E não, Trump assim não vai ganhar. Kamala acrescenta hipóteses de rutura contra o sistema, coisa que Hillary Clinton não conseguia e Biden, entretanto, garante a essencial "middle America". Haja esperança. Talvez as pessoas ainda saibam a diferença entre o bem e o mal.