Os Óscares em que também se fala português
A 95.ª edição dos Óscares da Academia de Arte e Ciências Cinematográficas (esta madrugada, em Los Angeles) pertence já à história do cinema português. Ice Merchants, de João Gonzalez, é o primeiro título de produção portuguesa a obter uma nomeação - na categoria de melhor curta-metragem de animação - para os prémios mais conhecidos, e também mais lendários, do universo global dos filmes.
Seja qual for o palmarés da cerimónia a ter lugar no Dolby Theatre de Los Angeles (com transmissão na RTP1, a partir das 23.45), a presença de Ice Merchants na corrida para uma estatueta dourada conseguiu, pelo menos, para já, dois efeitos que importa sublinhar: primeiro, o facto veio reforçar a ideia de que a produção portuguesa, de animação ou não, necessita de políticas e investimentos que reforcem a sua diversidade de histórias e estilos; segundo, esses investimentos devem envolver estratégias inventivas de promoção, não apenas nos mercados estrangeiros, mas também no plano interno.
Não será, por certo, uma cerimónia "normal", quanto mais não seja porque os Óscares atribuídos em 2022 deixaram uma herança incómoda. A saber: a agressão de Will Smith a Chris Rock. Será que o apresentador, Jimmy Kimmel (que já conduziu as edições de 2017 e 2018), vai de alguma maneira convocar essa memória, tentando superar o impacto negativo na cerimónia do ano passado?
Há cerca de um mês, a Academia divulgou um vídeo promocional (disponível no YouTube) apresentando Kimmel num registo, no mínimo, desconcertante. Usando uma farda de aviador, o apresentador surge como um "duplo" de Tom Cruise em Top Gun: Maverick (um dos títulos nomeados para o Óscar de melhor filme). Numa paródia a uma cena do filme, Kimmel é sujeito a um interrogatório, conduzido por Jon Hamm e Charles Parnell (retomando as suas personagens), durante o qual lhe é apresentada a sua "missão" no Dolby Theatre. As dúvidas sobre a sua competência acabam por ser superadas pela intervenção do "almirante" Billy Crystal, apresentador de nove cerimónias dos Óscares.
Dizem os analistas americanos que se dedicam a indagar as tendências dos membros da Academia (por exemplo, no site GoldDerby) que Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo, comédia dramática recheada de elementos sobrenaturais, tem condições para ser consagrado como melhor filme do ano; a dupla dos respetivos realizadores, Daniel Kwan/Daniel Sheinert, é também apontada como favorita para o Óscar de melhor realização.
Mesmo reconhecendo a margem de arbitrariedade que tais previsões sempre envolvem, é um facto que Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo tem vindo a reforçar a sua posição na "bolsa de apostas" de Hollywood, a ponto de a protagonista, Michelle Yeoh, ser apontada como o nome mais forte para o Óscar de melhor atriz, destronando Cate Blanchett, no filme Tár, que chegou a ser tida como vencedora "antecipada".
Em boa verdade, tendo em conta as distinções já averbadas, apenas dois títulos parecem ter um Óscar garantido: Pinóquio, de Guillermo del Toro, e A Oeste Nada de Novo, de Edward Berger, respetivamente como melhor filme de animação e melhor filme internacional. Se assim acontecer, será uma dupla vitória para a Netflix, a plataforma de streaming que mais tem batalhado (e promovido) para associar o seu impacto comercial às estatuetas da Academia.
Entretanto, este ano o Óscar de melhor filme volta a ser disputado por uma dezena de títulos, número máximo posto em prática na cerimónia de 2009 (veja-se a edição especial do nosso Mapa das Estrelas). Tendo em conta que, na altura, houve quem argumentasse que esse número visava reforçar as possibilidades de nomeação dos grandes sucessos comerciais de cada ano, pode dizer-se que desta vez o objetivo foi cumprido: os dois fenómenos de bilheteira estreados em 2022 - Avatar: O Caminho da Água e Top Gun: Maverick - estão na lista dos nomeados para melhor filme. Curiosamente, os respetivos realizadores, James Cameron e Joseph Kosinski, não surgem entre os candidatos a melhor realização. Recorde-se ainda que entre os dez está Triângulo da Tristeza, de Ruben Östlund, a produção sueca que venceu o último Festival de Cannes e também o Prémio de Melhor Filme Europeu de 2022.
Seguindo uma regra também iniciada em 2009, os chamados Governors Awards (prémios de carreira) serão, como é habitual, citados durante o espectáculo, mas já foram entregues em cerimónia autónoma, realizada no passado dia 19 de novembro. Com Óscares honorários, foram distinguidos Peter Weir (cineasta), Diane Warren (compositora) e Euzhan Palcy (cineasta); com o Prémio Humanitário Jean Hersholt, foi reconhecido o ator Michael J. Fox, pelos seus contributos para o desenvolvimento dos estudos em torno da doença de Parkinson.