Os novos infantes da corte pop britânica

Sete nomes que a inesgotável fonte britânica oferece ao mundo das canções. E já deixaram uma boa impressãozinha digital...
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Faz parte da tradição da música pop, a procura incessante e, por vezes, obsessiva da next big thing, algo que se assemelha à descoberta de um filão de ouro (componente do reconhecimento pelos públicos e do lucro comercial) e, em simultâneo, à identificação de um projeto individual ou coletivo que acrescente "novos mundos ao mundo" (vertente da criação artística, traduzida no alargamento ou no estilhaçar de fronteiras). Nesse quadro de raciocínio, viciado e viciante em muitas ocasiões, até porque muitos se deixam escorregar para a "tentação Jon Landau", o homem que não se enganou a corporizar o futuro do rock"n"roll em Bruce Springsteen, cabe o aviso: este texto de alerta para sete novos projetos que só a geógrafa feliz das Ilhas Britânicas poderia permitir, vale como um alerta aos interessados, mas situa--se a uma distância prudente de "certificados de garantia", em qualquer dos casos aqui reunidos. Até porque são demasiados os exemplos de sementes que definharam e/ou morreram logo a seguir à primeira colheita - e avalizar cegamente quem está tão rente ao começo acaba, amiúde, por defraudar quem se deixa entusiasmar à primeira vista. Ou audição.

Nada disto diminui, por outro lado, o alcance generoso e ingénuo dos discos que se apresentam de seguida. Ainda que a continuidade qualitativa não possa (ou deva...) ser assegurada às cegas, ainda que haja fragilidades inerentes a quem procura naturalmente uma voz própria, cada um deles carrega momentos de inegável prazer, de excelente produção, de tempero de originalidade.

Valem hoje, independentemente do futuro. Mais do que isso, pintam um quadro interessante, senão invejável, do momento que se vive na pop de origem britânica, sobretudo porque todas estas edições "cartão-de-visita" surgem num período que temos obrigatoriamente de considerar curto. E, em função desse tempo, mais vibrante. Antes que o introito se alongue até ao exagero, passemos à música, propriamente dita.

Os grupos

De Nottingham, a cidade do xerife arqui-inimigo de Robin dos Bosques, chegam os Amber Run, que alargam uma história que já assinala os Ten Years After e Alvin Lee, os Tindersticks e Stuart A. Staples, os London Grammar e, individualmente, Bruce Dickinson (Iron Maiden), Corinne Drewery (Swing Out Sister) ou Jake Bugg. Aqueles que se perderam de amores com o tom épico dos Kodaline e com o estilo de vocalização de Danny O"Donoghue nos The Script, vão descobrir muitos pontos de contacto com 5 AM, em que Joe Keogh e os seus parceiros (alguns deles colegas dos estudos secundários e universitários, de que desistiram para se dedicar inteiramente à banda) concentram várias canções que lhes valeram, em primeira instância, o aplauso local. Não se podem queixar da sorte: logo ao quarto espetáculo, graças a um radialista amigo e entusiasta, já estavam a enfrentar a multidão do festival de Reading. O que acaba por fazer sentido para um conjunto que aposta forte nos hinos, do refrão à sintonia de vozes, sem esquecer uma predominante guitarra que tão depressa rasga como embala. Se não se perderem, risco mais evidente porque podem escorregar do equilíbrio aqui apresentado, acabarão como banda de estádio, fazendo escala em temas como I Found ou Spark escalas obrigatórias. Deste lote, serão os mais convencionais; também por isso, estão na linha da frente para o reconhecimento das massas. Uma coisa é certa: uma voz como a Keogh não se descobre ao virar de cada esquina.

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Haverá certamente maiores dificuldades para arrumar esteticamente os Bear"s Den, e que, até agora, conhecemos Islands (embora já tenham data, julho, para um segundo álbum). A proximidade que registam face aos Mumford and Sons vai além do simples facto de um músico de cada uma das bandas (Bear"s e Mumford) ter fundado uma editora, a Communion - estende-se a um constante piscar de olhos à folk, mesmo aberta e abrangente. A aposta nas harmonias vocais deixa o selo logo em Agape, tema de abertura, e nunca mais se esbate. O tema-chave será, provavelmente, Above the Clouds of Pompeii, melodia escorreita em que a guitarra acústica vai abrindo espaço para o banjo. Leram bem: o banjo, tão presente na tradição americana, faz parte da essência destes rapazes que se reuniram em Londres mas que, nem com sede na grande metrópole, menosprezam as raízes, mesclando-as com um pop bem comportado, mas com ideias autónomas e capazes de ignorar fronteiras. Resta saber como vão sobreviver à partida de Joey Haynes, um dos vértices do triângulo, anunciada no princípio deste ano. Cabia-lhe, precisamente, tomar conta do banjo...

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O único ponto comum que passa da banda anterior para os Haelos é mesmo a partilha geográfica de Londres. Tudo o resto, neste trio formado por Lotti Bernardout, Arthur Delaney e Dom Goldsmith, fixa-se nos antípodas do orgânico - estamos no domínio da eletrónica, da música programada a partir de computadores, da percussão digital (exceto nos espetáculos, em que o trio recorre a uma bateria "normal"). Mesmo os mais céticos não conseguirão evitar uma longa sucessão de arrepios com Full Circle, que não se cinge às influências maiores confirmadas por esta troika, em que cada um dos músicos leva mais de uma dezena de anos de aventuras (quase) anónimas - Massive Attack e Portishead. Tudo se joga no contraste entre as texturas sonoras, densas, avassaladoras, mais atentas à "muralha" do que aos pormenores (que só se assimilam à terceira ou quarta passagem do disco) e as vocalizações, tão penetrantes e rigorosas quanto alinhadas pelo limite. Recomenda-se vivamente aos que entendam, por más experiências ou escolhas duvidosas, que a eletrónica só abarca e traduz um naipe limitado de emoções. Tudo isso é desmentido neste disco - que os seus autores, cientes do efémero da música dos nossos dias, não garantem que conheça sequelas - em que se viaja da escuridão à euforia, do urbano ao místico, do gelado ao escaldante. A obra-prima será Dust, que rendeu o salto aos Haelos, mas temas como Oracle, Alone ou Sacred andam lá perto.

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Como os críticos ingleses gostam de histórias muito explicadinhas, os Oh Wonder - ela chama-se Josephine Vander Gucht, ele Anthony West - já foram catalogados como um conjunto de alt-pop ("alt" para "alternativo"), de electro-pop, de synth-pop. Depois de ouvir OW, em que se sucedem os singles que os autores foram pacientemente depositando online, à média de um por mês, torna-se viável simplificar os dados da questão: aquilo que encontramos neste álbum, que funciona melhor nas alvoradas e nos crepúsculos, são canções desenhadas a partir de uma base eletrónica e de uma produção "muito lá de casa" (Josephine e Anthony gravam sem passar a porta da rua), mas que se colocam transversalmente em relação a modas, a idades, até a estilos. Quando damos de caras com Drive, White Blood, Without You, Landslide ou Midnight Moon, estamos a cruzar-nos com candidatas ao estatuto de clássicos. De resto, não é complicado imaginá-las com fundos de cordas e enriquecimentos instrumentais. Mas percebe-se a opção despojada que o casal prefere, fazendo ressaltar a essência melódica, sedutora e assertiva, deixando sobressair uma invulgar marcação "homem a homem" (salvo seja...) nas vocalizações, em que ambos aparecem juntos. Depois, tudo parece subordinado a uma imagem de pequenos quadros urbanos, com as inquietações, as pulsações, as paixões do dia-a-dia. Se outros destes discos são diamantes em bruto, OW merece ser olhada como uma pérola, com a palavra-chave a recair em "elegância", em mais uma escala londrina, aqui com trunfos para dar e vender.

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